12-3-2021
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"O que é que aprendemos com a pandemia?". Foi com esta interrogação que o Professor David Justino lançou a sua participação no IV webinário do ciclo com ex-Ministros da Educação "Que caminhos para a escola na pós-pandemia", organizado pela Federação Nacional da Educação (FNE) e pelo Canal4 da AFIET (Associação para a Formação e Investigação em Educação e Trabalho), que contou com a moderação do Secretário-Geral (SG) da FNE, João Dias da Silva, e Ricardo Baptista, Presidente da Direção do Sindicato Democrático dos Professores dos Açores (SDPA).
Para David Justino, a Pandemia deixará marcas que dificilmente esqueceremos. Mas o pior é que nós portugueses “aprendemos mal com os males que nos afetam. Nunca aprendemos com as crises económicas por que passamos e espero não repetirmos os erros, as omissões e as insuficiências deste ano de pandemia”.
Em seguida, passou a destacar aquilo a que chamou os três “D’s” da educação para o futuro: Digital, Desigualdades e Disciplina. Sobre o primeiro “D” criticou o facto da visão de muitos integrar uma escola do futuro onde tudo era tecnológico, digital. David Justino sustenta que “a escola de massas é muito má, mas não há melhor. Por isso, temos que melhorar a escola que temos, para encontrar as melhores soluções”.
Um Perfil sem Disciplina
O ex-Ministro da Educação reconhece que a infraestrutura digital da maior parte das escolas não é “a suficiente, nem a mais adequada. Fizemos a experiência das salas TIC, depois veio o Plano Tecnológico (com banda larga para todas as escolas) e de então para cá não se fez mais nada. A não ser os municípios e as próprias escolas com os seus recursos, nomeadamente com a criação de laboratórios”. David Justino é muito crítico desta situação: “Passamos dez anos sem um apetrechamento sério das escolas. Não podemos passar mais dez anos sem esse apetrechamento”.
Em sua opinião, o problema está “na definição de prioridades, não no dinheiro. E muitos dos problemas por que passaram os alunos e as famílias deve-se ao desleixo no investimento em tecnologias”. David Justino é muito preciso quando sublinha que o ensino presencial não é substituível pelo ensino a distância e explica: “Não é só a questão do aluno estar na sala de aula, mas acima de tudo o papel e a intervenção do professor. Depois, aprender não é só adquirir conhecimento, mas tem muito que ver com o ritual que anima cada escola”.
O segundo “D” é de Desigualdades e “aqui sou mais fora da caixa: não consigo examinar as desigualdades só com a falta de computadores ou com a ausência de pais sem qualificações, para ajudar os seus educandos. Podemos investir muito na educação e termos uma escola mais igualitária, mas a escola não resolve as desigualdades que vêm de fora dela. A economia tem que responder de forma adequada às qualificações com empregos e salários dignos. Exigir tudo à escola tem um efeito perverso, pois só olhamos para uma parte do processo”. E remata como segue: o sistema de oportunidades tem de estar em consonância com a Educação”.
Quanto ao terceiro “D”, de Disciplina, David Justino sublinha que ele não é muito observado: “A escola deveria ser uma socialização de capacidades, hábitos de respeito pelas diferenças, de regras de conduta. Não se trata de uma disciplina imposta, mas sim de uma disciplina interiorizada. Só com disciplina podemos desfrutar da liberdade. Não podemos fazer da escola uma luta de classes. E reparem que o conceito de Disciplina desapareceu e nem sequer existe no “Perfil dos Alunos à Saída da escolaridade Obrigatória”.
Educação de Infância dignifica percurso escolar
Na sua intervenção, David Justino enfatizou mais duas questões primordiais: a relevância extrema das creches e do pré-escolar e o papel crucial dos educadores de infância no sistema educativo e a falta assustadora de professores em determinados grupos de docência.
O ex-Ministro da Educação frisou que o maior desafio que temos é olhar para a educação das crianças entre os cinco meses e os cinco, seis, anos, com outros olhos, que não seja apenas a função de guarda, e temos que olhar no futuro para toda a Educação de Infância para dignificar o percurso escolar. No entanto, acrescentou que “isto não se consegue sem profissionais capacitados, valorizados e com acesso a uma boa formação”.
No que respeita à escassez de professores, David Justino afirmou que tínhamos que trabalhar esta questão a começar pela formação inicial e tornar a carreira exigente e atrativa para as novas gerações: “devemos separar a habilitação para a docência da profissionalização, que deve ser feita em exercício, na escola. E temos que rejeitar a proletarização da profissão docente, reforçando a imagem dos professores, porque nem todos podem ser professores”.
No final, e respondendo a algumas questões dos participantes, colocadas pelo SG da FNE, João Dias da Silva, o Professor Catedrático da Universidade Nova de Lisboa confessou provocar-lhe “condescendência com a ignorância”, e alguma irritação, ouvir e ver citada repetidamente a expressão “escolas do século XIX, professores do século XX e alunos do século XXI”. A terminar a sua intervenção atirou a matar: “Não subscrevo a ideia da flexibilidade curricular. Precisamos é de unicidade curricular e flexibilidade pedagógica”.
Reveja aqui a intervenção de David Justino e leia a reportagem completa sobre este webinário na edição de março de 2021 do JORNAL FNE.
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