"As metamorfoses/desafios de hoje do mundo do trabalho" foi o tema levado a debate no segundo de cinco webinars do Fórum FNE 2020, organizado pela Federação Nacional da Educação (FNE) e pelo Canal4 da AFIET (Associação para a Formação e Investigação em Educação e Trabalho), e que teve como orador o Presidente da Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social, Pedro Roque Oliveira e moderação de Lucinda Manuela Dâmaso (Vice-Secretária-Geral da FNE e Presidente da UGT) e Pedro Barreiros (Vice-Presidente da AFIET).
E foram muitas as questões sobre o mundo laboral que estiveram em cima da mesa, com Lucinda Manuela Dâmaso a lançar o webinar, questionando o convidado relativamente ao desafios que o trabalho enfrenta no futuro e como gerir a questão da entrada de menos verbas nos cofres da Segurança Social, devido ao facto de existir uma quebra acentuada no número de trabalhadores no ativo.
Sobre esta situação, o deputado Pedro Roque, com um passado político sempre ligado ao Trabalho e ao sindicalismo (foi Secretário-Geral Adjunto da UGT entre 2010 e 2011), começou por considerar que o futuro é hoje e que muitas das alterações que vivemos no momento "vieram para ficar, como é o caso do teletrabalho. E estes são grandes desafios que vão ter obrigatoriamente que passar pela negociação coletiva". A criação de um possível seguro para desemprego foi uma das soluções sugeridas de futuro, mas "não podemos esquecer que qualquer salto tecnológico cria novos postos de trabalho, exige mais especialização e mais questões no Direito do trabalho".
Numa análise à atual mudança de paradigma a que podemos estar a assistir durante a pandemia que nos assola, o deputado referiu que "há o lado bom e o lado mau. O teletrabalho traz vantagens como conciliar o pessoal com o profissional, terminar com as chamadas 'horas de ponta', mas por outro lado tem problemas de regulamentação. Daí achar que “têm de chegar à Concertação Social propostas que permitam criar um impulso para o futuro". Foi ainda referido que aquilo a que alguns chama de "uberização" da economia pode vir a trazer vários problemas, pois aumenta o número de trabalhadores não sindicalizados e resulta também numa maior penalização para os trabalhadores, devido ao nível de precariedade a que esta ideia pode levar.
Foi dado ainda o exemplo do setor bancário como "o setor onde muito se nota o corte no número de trabalhadores e a aposta na tecnologia. Mas é por isso que defendo que é necessário reforçar o valor de Taxa Social Única (TSU,) paga por empresas que recorrem mais a meios tecnológicos do que ao emprego humano. Os chamados financiamentos alternativos da Segurança Social vão ter de começar a ser mais explorados. A sustentabilidade da Segurança Social é algo que nos preocupa a todos. E se nada se fizer tornar-se-á aos poucos uma 'bomba-relógio', que pode explodir daqui a menos anos do que pensamos", afirmou.
São várias as profissões em risco com as metamorfoses que o mundo do trabalho perspetiva para o futuro, mas também são muitas as novas oportunidades. Nenhuma profissão está ao abrigo de acabar "e se não fosse o pôr em causa o direito ao trabalho, a automatização era francamente positiva. O desafio é encontrar um equilíbrio".
Outra solução referida durante este webinar foi a "renda básica universal. Se bem que este tema ainda levanta muitas dúvidas. Quem vai usar os nossos impostos? Acima de tudo as empresas com maiores lucros devem garantir o rendimento ao maior número possível de famílias empregadas e trabalho digno". No seguimento surgiu a questão: "E o que falta então aos nossos políticos para tratar já do futuro?", perguntou a Presidente da UGT, com Pedro Roque Oliveira a não fugir à dúvida e a deixar uma ideia forte na resposta: "O problema é que as questões ideológicas acabam sempre por se sobrepor. Tem faltado acordo entre partidos. O discurso de que está tudo bem não é correto. E é preciso um debate a nível europeu e mundial".
Concertação Social e mudanças no trabalho
Voltando um pouco atrás à questão do papel da Concertação Social foi referido que "reforço que tem um papel fundamental. O lado patronal já começou a perceber que ter um trabalhador enfiado no escritório das 9h às 17h já não é tão vantajoso assim. Mas tudo isto tem de ser enquadrado na negociação coletiva e regulamentado. Todas as mudanças no mundo do trabalho devem ter a chancela da Concertação Social".
Entrando o webinar num período de perguntas e respostas colocadas pela audiência e lançadas ao convidado por Pedro Barreiros, o tema centrou-se, como não podia deixar de ser, numa iniciativa organizada pela FNE referente ao teletrabalho para Docentes. Vai uma possível automatização do ensino mudar as relações entre professores e alunos? Têm os Docentes de fazer uma maior aposta na Formação em novas tecnologias para dominar melhor o ensino a distância? A tudo isto Pedro Roque respondeu com sinais verdes e vermelhos. Verdes pois não esqueceu o elogio à "capacidade de reagir, até com alguma improvisação, à mudança repentina que o ensino enfrentou em março”. E vermelhos porque apesar de ser um mix de resultados, faltou algo.
Pedro Roque acentuou as desigualdades: ”Os acessos aos meios não foi garantido e deixou muitos alunos de fora", acrescentando depois que acredita que a profissão docente será das últimas a ser substituída pela tecnologia, porque nada substitui a sala de aula, não deixando de lado a hipótese de a tecnologia servir como complemento importante no futuro. Mas aqui veio à conversa um problema há muito apontado pela FNE e reforçado pelo Presidente da Comissão Parlamentar de Trabalho e Segurança Social: "O corpo docente é muito envelhecido e isso pode criar problemas no acesso às tecnologias. É preciso apostar na formação, mas também no rejuvenescimento da classe".
Num ponto mais geral, Pedro Roque foi questionado sobre o facto de o teletrabalho não estar regulamentado, mas continuar a ser uma das formas de combate à disseminação do vírus da COVID-19: "É uma situação complicada...com a atividade económica nos números em que está é preciso fazer algo. Esta é uma decisão para o presente e pela saúde. A ideia acima de tudo é resguardar as pessoas. Mas depois de passarmos isto, é preciso avançar com urgência para a regulação e alterações no código do trabalho, procurando acordos entre todos os intervenientes. É preciso por exemplo ter em conta situações como a cobertura do seguro de trabalho em casa como se alguém estivesse no escritório", com Lucinda Manuela Dâmaso a alertar o deputado para o facto de que a UGT já fez chegar à Concertação Social uma reivindicação para que seja prevista proteção para o trabalhador como se fosse no local de trabalho.
A importância da educação e da formação
A fechar, o Secretário-Geral da FNE fez chegar quatro ideias ao orador convidado, através da caixa de comentários do webinar. Em primeiro lugar, João Dias da Silva considerou ser indispensável investir na aposta na formação que se revele útil para os trabalhadores e que permita melhorar competências, sublinhando ainda que investir na educação e formação ao longo de uma vida é fundamental para o desenvolvimento de um país. Em segundo lugar que a ação sindical deve ter estas orientações na sua primeira linha de ação. Em terceiro que os Estados devem garantir os direitos fundamentais dos trabalhadores com níveis salariais adequados e postos de trabalho seguros e saudáveis. E por último que a chamada "economia verde" venha a dinamizar o mercado de trabalho e a criar novas perspetivas.
A este "desafio" do SG da FNE, Pedro Roque Oliveira deixou como ideias fundamentais que as novas competências vão ser cada vez mais obrigatórias, tanto em novas profissões, como noutras como a docência, e que os salários têm de ser adequados, apesar do nível de desemprego agir sempre a favor ou desfavor do trabalhador, seja no salário ou nas condições de trabalho. Mas aí a negociação coletiva deve 'aplanar' essas diferenças. Já sobre a economia verde concordou também com João Dias da Silva, pois é aí que se vai encontrar muitos dos empregos do futuro.
No fim, e em jeito de resumo, o orador convidado deixou a mensagem "de que o papel dos sindicatos é fundamental. Acima de tudo os sindicatos que fazem parte da UGT são parceiros sociais responsáveis e percebem que a ação reivindicativa de situações como atualizações de salários são importantes, mas devem também oferecer na negociação coletiva outras matérias para discussão, como estas que hoje aqui falámos".