25-6-2020
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O Doutor Paulo Santiago, chefe da Divisão de Assessoria e Implementação de Políticas da Direção da Educação e Competências da OCDE, foi o convidado do webinar do Canal4 da AFIET - Associação para a Formação e Investigação em Educação e Trabalho intitulado "Avaliação de alunos – Oportunidade para um novo paradigma", que decorreu em 19 de junho de 2020, com a moderação de Pedro Barreiros e Joaquim Santos, respetivamente Vice-Presidente e Vogal da AFIET.
Especialista de renome na análise de políticas educativas, nomeadamente as referentes à eficácia da avaliação de escolas, sistemas, de alunos e professores, Paulo Santiago defendeu um equilíbrio entre avaliação formativa e sumativa, interna e externa, num modelo avaliativo exigente que deve, hoje mais do que nunca com a pandemia do Covid-19, estar centrado no aluno, e não em medições, percentagens, notas e exames.
Pedro Barreiros fez a introdução ao webinar, deixando durante uma hora Paulo Santiago e Joaquim Santos, num diálogo que perpassou a educação antes, durante e após o Covid-19, com uma incidência final no tema do acesso ao ensino superior em Portugal e a necessidade de sua reformulação, numa reivindicação com muitos anos por parte da Federação Nacional da Educação (FNE).
Com cerca de quatrocentos participantes em modo digital, Joaquim Santos começou por relembrar os relatórios da OCDE de 2012 sobre “Políticas de Avaliação no Ensino em Portugal” e de 2013 envolvendo as “Sinergias para uma Melhor Aprendizagem”, em 28 países da OCDE, coordenados pelo próprio Paulo santiago, em que estão referenciados oito desafios e orientações comuns, sendo um deles precisamente o desafio de colocar os alunos no centro do quadro de avaliação.
Paulo Santiago considerou que centrar a avaliação no aluno significa acima de tudo melhorar os resultados dos alunos e isso implica ainda "assegurar que as avaliações tenham impacto nas práticas docentes dentro da sala de aula, sendo ainda necessário ter em conta que os processos de avaliação têm de ser individualizados, de forma a encaixar na diversidade dos alunos. Em Portugal, nesse estudo de 2012, a OCDE concluiu que havia uma noção e um conceito de avaliação estreitos, muito focados em avaliações sumativas, e onde não existia um foco acentuado na avaliação formativa, por consequência no acompanhamento da aprendizagem e das dificuldades individuais do aluno".
Mas que implicações podemos encontrar num sistema avaliativo que não esteja centrado no aluno? Para o especialista da OCDE, a maior consequência acaba por ser "o não se reconhecer que os alunos têm necessidades diferentes, algo que o COVID-19 tornou mais visível", acrescentando ainda que "os sistemas de ensino têm de encontrar soluções para a diversidade e que os processos de ensino-aprendizagem têm obrigatoriamente de ser adaptados".
A propósito das características de uma boa avaliação formativa, Paulo Santiago referiu que "é necessário os professores levarem essa avaliação a cabo na sala de aula, sem preocupações classificativas, reconhecendo a tal diversidade e adaptando o seu trabalho, sendo um processo que procura adequar o método de ensino às dificuldades que os alunos vão demonstrando", considerando que é o docente quem deve desenhar essa avaliação com autonomia.
A conversa passou depois por temas como os efeitos da política educativa - onde o orador defendeu não ser desejável que se realizem exames de alto impacto abaixo do 11º ano - e pelo fosso de comunicação entre a tutela, os professores, as escolas, os pais e os sindicatos, com Paulo Santiago a referir que esta é uma situação que varia muito de intensidade entre os países da OCDE, mas que um bom exemplo de parcerias de diálogo social é mais comum acontecer no norte da Europa, do que nos resto do continente".
Avaliação em tempo de COVID-19
O diálogo entre Joaquim Santos e Paulo Santiago passou para a pandemia de COVID-19, que teve vários impactos na Educação. Alguns mais positivos, como a capacidade de adaptação a uma nova realidade de ensino, mas outros mais negativos como o de trazer ao de cima as desigualdades que existem entre alunos, e que têm de ser tidas em conta quando acontecer (se for caso disso) o regresso presencial de todos à escola. Para Paulo Santiago "a pandemia mostrou que não estamos preparados para uma avaliação sem presença física de alunos e professores. O COVID-19 colocou aos nossos olhos a necessidade de se criar estratégias para combater as desigualdades, mas também a de se reforçar as competências digitais".
Com o mundo nesta nova realidade, “vai ser necessário criar uma visão mais holística da avaliação, um novo paradigma para o sistema de ensino e preparar os alunos para um mundo mais difícil, onde se consiga gerir as competências sociais e emocionais, desde os alunos aos pais”, defendeu o convidado, acrescentando ainda que "quando os alunos voltarem à escola, e devido ao fosso que se acentuou agora na aprendizagem, deveria ser realizada uma avaliação diagnóstica, para situar cada aluno no ponto de ensino".
Relativamente a estarmos numa época de oportunidades de mudança, ficou claro na conversa que todos concordaram com a ideia de que o sistema não estava preparado para um momento destes, mas que Portugal e todos os países mostraram uma capacidade de adaptação e de reforço das competências digitais, sendo necessário garantir que esses benefícios são aplicados como complemento ao regime presencial.
Questionado sobre o facto de muitos países marginalizarem os seus professores, e descuidarem a sua formação inicial e contínua, o desenvolvimento da sua carreira, a sua condição docente e as suas reais condições de trabalho, Paulo Santiago afirmou que não acreditava “que algum país marginalize os seus professores. Mas há lugares onde têm mais formação e isso acaba por lhes oferecer mais estatuto. Apesar de as circunstâncias e contextos serem diferentes de país para país, todos veem nos professores alguém importante na sociedade".
Sobre o Teletrabalho em Educação, o especialista na análise de políticas educativas assumiu que tem vantagens, mas a parte principal da avaliação formativa, que é observar e interagir com o aluno, perde-se com os meios digitais, sendo por isso um método que ainda cria muitas dúvidas.
Acesso ao Ensino Superior/Avaliação externa
Paulo Santiago defendeu a necessidade de se repensar o acesso ao ensino superior em Portugal, nomeadamente com a eventual participação das respetivas instituições, politécnicos e universidades: "Há países que fazem entrevistas, outros que pedem trabalhos, provas e que determinam a vocação e motivação para a profissão. Mas acima de tudo têm de ser encontrados processos para o acesso ser o mais justo possível e que a justiça e equidade no acesso sejam sempre garantidas".
Apresentando uma visão do exterior, o orador convidado referiu, relativamente aos professores portugueses, que Portugal desenvolve pouco as formações contínuas e que tem de se assegurar que os docentes têm tempo, disponibilidade e recursos para o seu desenvolvimento profissional e de forma gratuita, pois “tem de haver um incentivo”, defendeu Paulo Santiago.
Já sobre o papel dos parceiros sociais, o representante da OCDE chamou de "fundamental no desenvolvimento de políticas educativas", referindo o projeto 2030 da OCDE onde "incluímos também o 'input' dos alunos. Todos os atores têm de ir à mesa discutir e acompanhar essas políticas".
Numa previsão para o futuro, Paulo Santiago catalogou os professores como facilitadores insubstituíveis nos processos de aprendizagem, pedindo-se que tenham um papel social cada vez maior, assegurando os equilíbrios e as necessidades individuais dos alunos.
Na parte final deste webinar, Joaquim Santos colocou várias questões ao orador convidado, com destaque para as formas de se operacionalizar a avaliação individualizada, com Paulo Santiago a assumir que esse aspeto vai requerer mais recursos, contextos mais favoráveis - como turmas mais pequenas ou dois professores na sala de aula -, assim como na questão da avaliação formativa ser considerada de modo adequado, em vez de se sobrevalorizar a avaliação quantitativa.
Paulo Santiago sublinhou que "a sociedade ainda valoriza muito a quantidade. E isso vem dos pais, pois mesmo quando uma explicação mais qualitativa é disponibilizada os pais, no final, querem é saber da nota. Mas essa nota por si não basta e tem de servir para dar mais informação, pois dessa forma os pais podem perceber como colaborar de forma mais apropriada no desenvolvimento social do filho".
Pedro Barreiros tomou então as rédeas ao webinar e selecionou algumas das questões levantadas pelos participantes ao orador. Uma delas foi o tema da inclusão, questionando-se se deveria existir uma colaboração profunda entre o professor de alunos com necessidades educativas especiais e o professor de cada disciplina, com Paulo Santiago a considerar que “deve existir uma dimensão de equidade na avaliação e que todos os países devem criar técnicas de ajuste que ofereçam soluções justas para o melhor dos seus alunos".
A fechar, e em jeito de resumo, Paulo Santiago lembrou que a pandemia veio mostrar como o professor é um ator fundamental na sociedade. Os cenários variam consoante os sistemas de ensino de cada país, mas o professor vai estar sempre presente no centro educativo, “sendo um facilitador de aprendizagem, do acompanhamento do aluno, nunca perdendo assim a importância do seu papel”.
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