27-11-2020
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"A palavra 'Todos' é poderosíssima para a equidade e para o direito à educação". Foi desta forma que o Professor Doutor Bravo Nico, orador convidado da Universidade de Évora, lançou o IV Webinar do Fórum FNE 2020, sobre "Um sistema educativo para a equidade", com moderação de Josefa Lopes e Paulo Fernandes, respetivamente Presidente do SDPSul e Secretário Executivo da FNE.
Bravo Nico começou por afirmar que iria apresentar a sua leitura atual da equidade e dos desafios que temos, em três pontos: 1) uma posição política que assumiria desde o início, 2) um imperativo social e 3) dois desafios em concreto. Para o orador, algumas das questões básicas do currículo – entre outras, perguntas como o quê? como? porquê? com quem? – dão-nos o “perímetro e a geometria de um sistema educativo”. O webinar começou assim por inscrever-se nas questões técnicas de um sistema educativo que promova a qualidade e equidade, através de duas questões essenciais: a favor do quê? e a favor de quem? Isto é: que valores devemos promover? e qual é o nosso Norte?
As perguntas, para Bravo Nico, devem ser estas: qual o sentido que deve ter este sistema educativo para a equidade? e isto remete-nos para a essência das coisas? Em sua opinião, para procurar um farol o caminho é a própria Constituição da República Portuguesa, a começar logo pelo Artigo 73º, ponto um, que diz que “Todos têm direito à educação e à cultura”.
Seguindo-se o ponto 2, onde podemos ler que “O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das dificuldades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida coletiva”.
O Artigo 74º da Constituição complementa o anterior, reforçando, no seu ponto um, que “Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar”. Ou seja: todos no acesso e todos no sucesso. O que está reforçado no “Garantir a educação permanente e eliminar o analfabetismo” e no “garantir a todos os cidadãos, segundo as suas capacidades, o acesso aos graus mais elevados do ensino, da investigação científica e da criação artística”. Em consequência, Bravo Nico resumiu do seguinte modo a sua posição política de um sistema educativo para a equidade: “Uma Educação Para Todos e de Forma Permanente”.
Um imperativo social
A segunda parte da comunicação de Bravo Nico centrou-se na questão de um sistema educativo para a equidade como sendo um imperativo social. O orador registou que o pré-escolar ainda não é homogéneo em várias regiões do país, não estando assim o acesso garantido para todos. Por outro lado, ainda temos um longo percurso a percorrer na equidade tanto do ensino secundário como do ensino superior. Neste último, há uma grande dificuldade de acesso e muitos dos alunos que conseguem aceder não conseguem depois nele permanecer.
Para Bravo Nico, olhando o sistema educativo como um todo - somando a escolaridade obrigatória, o ensino superior, a educação e formação de adultos, a vida ativa e a aposentação - podemos facilmente concluir que estamos longe da equidade. No entanto, apesar das dificuldades, temos um Serviço Nacional de Saúde que é um dos melhores do mundo, assim como um sistema de solidariedade e proteção nacional muito bom. O Serviço Nacional de Saúde, a Educação e a Proteção Social são três funções essenciais do Estado e têm que ser tratadas da melhor forma possível, pois este deve ser o nosso desígnio, o nosso imperativo nacional.
Por fim, o orador convidado deste Fórum FNE 2020 selecionou dois desafios específicos para uma escola de equidade: primeiro, uma escola de geometria total para todos, em todos os ciclos vitais, e em segundo lugar uma escola sempre presente para todos, em todos os territórios.
Cumprir a Constituição Portuguesa
O primeiro desafio tem que ver com um acesso igual ao sistema educativo para todos, permanentemente, com equidade. Quando refere para todos, Bravo Nico significa uma escola aberta a todas as gerações, ao mesmo tempo, e em permanente interação com a realidade social. Dito de outra forma, a escola e todo o sistema público de formação deve pensar em todos, tem que entrar nas famílias, funcionando como uma unidade de educação familiar. O sistema educativo tem que interagir com o trabalho, com as empresas, com as instituições e oferecer soluções que integrem toda a sociedade civil.
“Não basta permitir o acesso das pessoas à escola. A escola também tem de criar acessos às pessoas”, frisa Bravo Nico, para quem “a escola tem que entrar e criar interações com o seu território”. Daqui resulta o primeiro grande desafio de uma escola de geometria total, para todos, em todos os ciclos vitais.
O segundo desafio enunciado por Bravo Nico diz respeito à “nova obra pública mais urgente para o pós-Pandemia”, que é a congregação de três conquistas que temos que concretizar: uma rede digital em todo o território, equipamento tecnológico para todos e, finalmente, a competência digital para todos, sem exceção. Esta nova obra pública tem que proporcionar também um novo acesso.
Para este professor da Universidade de Évora, “quem não tem acesso à rede digital está tão excluído como quem não tem acesso à rede de água ou de eletricidade”. E milhares de alunos em Portugal ficaram duplamente excluídos durante a pandemia, pois além de terem que ficar em casa ficaram também sem acesso à rede digital. É pois urgente que se convoquem o governo, as autarquias, as empresas, a sociedade civil, para reparar esta situação.
Mas tal não basta. É igualmente necessário dispor de equipamento tecnológico adequado para todos e criar depois condições para desenvolver a literacia e as competências digitais em todo o universo nacional. Este segundo desafio tripartido resume-se “numa escola sempre presente para todos em todos os territórios”, no fundo, conclui Bravo Nico, “é cumprir a Constituição Portuguesa”.
O orador explicou o seu conceito de um sistema educativo de equidade com o exemplo de sua mãe, de 87 anos, que decidiu voltar à escola para aprender a lidar com as novas tecnologias, na Escola Comunitária de São Miguel de Machede, onde criou a sua rede de interações pessoais: “Há cerca de um ano começou a trabalhar com o Facebook e o regresso à escola moldou-lhe a vida, possibilitando-lhe poder controlar de novo, positivamente, a minha vida”, acentuou Bravo Nico.
O exemplo de sua mãe e da Escola Comunitária de Machede, onde convivem meninos do jardim-de-infância, jovens, adultos e seniores, demonstra um bom exemplo de uma escola abrangente para todas as gerações e como o direito à educação é algo que vive sempre em paralelo connosco e que faz parte do nosso quotidiano.
A escola como pilar positivo
Seguiu-se um período de perguntas e respostas dos participantes, a primeira das quais sobre como garantir a equidade e como fazer melhor na diversidade. Bravo Nico acentuou que "os países que compatibilizaram melhor quantidade com qualidade são aqueles que têm alcançado mais sucesso na criação de modelos educativos. O caminho é incluir todos no sentido de aumentar o potencial. Nunca se deve deixar ninguém fora. Quando se trabalha com alunos com necessidades educativas especiais não basta cristalizar as dificuldades, mas sim construir procedimentos pedagógicos baseados na positividade. Quanto à diversidade ela é o melhor terreno para a aprendizagem, um recurso curricular inesgotável".
Quanto à dúvida levantada sobre como levar todas as gerações à escola quando muitas vezes apenas são chamados para ouvir queixas, Bravo Nico assumiu: "A escola tem de ser um pilar do positivo. Não se constrói um projeto educativo com base no negativo. Temos de atacar a dificuldade com uma abordagem pedagógica e pela positiva. Muitos pais desconstruíram a negatividade da escola no Programa das Novas Oportunidades".
Questionado sobre se a ideia de um serviço nacional de educação deveria ser promovida pelo Estado ou por privados, o antigo deputado afirmou que "a Constituição é clara. Mas todos fazem falta. Não podemos cair na armadilha ideológica do público e do privado. Por isso, todas as ofertas que disponibilizem qualidade e recursos devem ser aproveitadas".
A fechar o ciclo de questões, o SG da FNE, João Dias da Silva, deixou duas questões ao orador: os currículos do ensino básico e secundário estão preparados para promover a equidade? e a formação de professores está a levar em conta a equidade? Bravo Nico respondeu que "os currículos não estão desatualizados para a equidade. O problema não reside no que está arquitetado, mas sim na avaliação. Isto porque é determinada uma pressão que acaba por gerar mais preocupação com o desempenho do que com a questão pedagógica".
Já em relação à formação Bravo Nico salientou que ela é “uma realidade muito melhorável e que urge uma reconstrução. É sem dúvida uma das áreas mais críticas do sistema educativo, pelo que precisamos de um novo modelo de formação de professores. Outras áreas prioritárias na escola são por exemplo a medicina ou a animação. Temos que construir uma nova dinâmica que se vá impondo por si mesma”.
Coube aos moderadores Josefa Lopes e Paulo Fernandes encerrar este webinar, salientando que esta iniciativa deixou, de certeza, os participantes "a pensar fora da caixa" e que os sistemas educativos com qualidade e equidade são aqueles que não deixam verdadeiramente ninguém de fora.
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