Embora preocupado com as enormes desigualdades entre alunos portugueses, Nuno Crato, Ministro da Educação e Ciência de 2011 a 2015, defendeu que estar constantemente a mencionar as desigualdades “não resolve a pobreza educativa”, que necessita de uma avaliação forte, séria e consistente, para a qual existe hoje uma denotada desvalorização.
Nuno Crato intervinha como orador convidado do V webinário com ex-Ministros da Educação "Que caminhos para a escola na pós-pandemia", organizado pela Federação Nacional da Educação - FNE e pela AFIET - Associação Para A Formação e Investigação Em Educação e seu Canal4, com moderação de João Dias da Silva, Secretário-Geral (SG) da FNE, e de António Pinho, Presidente da Direção do Sindicato Democrático dos Professores da Madeira – SDPM.
Nuno Crato lançou o debate com um alerta: "Nada substitui o ensino presencial. Temos soluções alternativas, mas que não substituem, de modo algum, o ensino presencial. Ao contrário do que muitos profetizaram, o futuro tem muito que ver com os professores”.
O ex-Ministro da Educação de Passos Coelho relembrou as profecias não concretizadas de Thomas Edison, em 1913, assim como as do filósofo francês Jean-François Lytard, teorizador da pós-modernidade. Na realidade, nem os livros se tornaram obsoletos no ensino público, nem o serviço da educação foi provido apenas por filmes, nem o professor foi substituído por tecnologias digitais.
“Lembro-me de muitas modas no ensino, como a do Magalhães. Temos que olhar para as modas com ceticismo, quando elas são apocalíticas, destruidoras”, frisou Nuno Crato, que referenciou duas obras-primas da literatura que abordam pandemias: “A Peste”, de Albert Camus (1947) e o romance histórico “Os Noivos”, de Alessandro Manzoni (1827), sobre a peste de Milão.
“É preciso dar um elogio aos professores, aos pais e aos alunos. Foi um ato de heroísmo”. Nuno Crato repetiu: “Estou mesmo muito preocupado com a pobreza educativa. Os alunos sofreram até um ano letivo de atraso e a sociedade vai toda sofrer por ser menos produtiva com este atraso”.
Sobre o que fazer, Nuno Crato apontou dois caminhos, duas correntes de pensamento: dar ânimo aos alunos, socializar com eles e o ensino há de encontrar o seu caminho. A outra via, em que me situo, é encarar o regresso à escola como uma atitude positiva de progresso. Neste caso, temos que acelerar a aprendizagem destes alunos, colmatando as falhas do que ficou para trás. Ou seja: avançar recapitulando.
Qualidade de futuros professores é um desafio decisivo
Neste processo, a avaliação é fundamental: a diagnóstica, a formativa, a sumativa, a auto-avaliação. Mas não só: “Temos que fazer uma avaliação sistemática desta geração de alunos. Isto vai ser decisivo nas turmas, nas escolas e a nível nacional. Não é altura para pequenas revisões na aprendizagem. Há hoje uma desvalorização da avaliação, quando deveria ser o contrário”.
Nuno Crato convocou de seguida alguns dados do PISA, da OCDE, e do TIMMS, retendo-se nos anos até 2015, “para não falar de coisas tristes”. O Professor Catedrático considerou como problemático para a educação portuguesa o facto dos nossos alunos, até aos 15 anos, demonstrarem extremas dificuldades na ciência, matemática e na leitura: “Portugal piorou os resultados desde 2015. Esta situação estende-se um pouco por toda a Europa. Há jovens de mais com problemas de aprendizagem. E isto vai piorar ainda mais com a Pandemia".
Depois de uma breve análise à intervenção de Nuno Crato, levada a cabo pelo moderador António Pinho, João Dias da Silva notou que “antes da Pandemia já estávamos numa situação de pobreza. E não se pode ficar apenas pelo que se perdeu nesta fase. A normalidade não virá apenas por que os alunos estão a regressar à escola”.
Respondendo a algumas questões postas pelos participantes, Nuno Crato enfatizou dois temas: a aceleração do ensino e a formação dos professores. “Quando falo em acelerar o ensino refiro-me a saber mais, resolver e dominar melhor e a decorar menos. A questão essencial é a da quantidade versus qualidade. Os exames devem ser mais relativos à forma como os alunos dominam determinada matéria e não o quanto eles memorizam sobre ela. Este tem sido para mim um dos erros principais na Educação em Portugal".
Já sobre a formação de professores, Nuno Crato foi claro: "é o problema mais grave da primeira metade do século 21. Há um grande envelhecimento na classe docente. Metade dos professores atuais vai reformar-se no final desta década. Quem vier estará preparado como as gerações anteriores? Duvido muito. É preciso garantir a qualidade de formação dos professores. É um problema decisivo para o nosso futuro, que foi completamente esquecido”.
No encerramento do webinar, o SG da FNE sublinhou que as mudanças na formação dos professores têm andado a ser empurradas com a barriga e que os professores entram na carreira aos 40 anos. Em sua opinião, “não podemos é cair numa situação de redução das qualificações dos professores para resolver os problemas dos nossos alunos”.
Reveja aqui a intervenção de Nuno Crato e leia a reportagem completa sobre este webinário na edição de março de 2021 do JORNAL FNE.