25-11-2024
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A transferência de competências, a Portaria dos Rácios e as injustiças do SIADAP foram os temas que dominaram a celebração do Dia Nacional do Trabalhador Não Docente (TND), que decorreu na tarde do dia 23 de novembro de 2024, em Vila Real. A organização esteve a cargo do STAE-ZN, filiado na FNE. E o encerramento contou com a participação de Pedro Dantas da Cunha, Secretário de Estado da Administração e Inovação Educativa (SEAIE), que revelou que o novo estatuto “vai consagrar o princípio da especialização”, definindo funções e perfis. O governante subscreveu a Resolução da FNE, que termina relevando que os “Funcionários de Escola também educam, também são parte na construção do futuro”.
A intervenção do Secretário de Estado da Administração e Inovação Educativa (SEAIE), Pedro Dantas da Cunha, no encerramento de quase duas décadas de celebração da FNE do Dia Nacional do Trabalhador Não Docente (TND), em Vila Real, trouxe esperança a estes profissionais da educação. Num estilo casual, cuidado e inteligente, o SEAIE começou por felicitar a FNE por aquela comemoração, subscreveu a Resolução em prol da valorização dos trabalhadores não docentes e afirmou esperar ter condições para que ela se torne realidade.
“É da mais elementar justiça que os TND sejam valorizados”, defendeu. “E é importante um espírito construtivo de estabelecer compromissos. A FNE é muito diferente: a dialogar, a apresentar propostas, na defesa e na dignificação da escola pública. Os futurólogos da educação acertam pouco e já nos prometeram tudo. Mas os TND sabem como é que querem ser. É isso mesmo o que diz a vossa Resolução deste dia”.
Para Pedro Dantas da Cunha a pergunta do momento é “que estatuto profissional?”. Em seu entender há quatro pilares basilares na educação dos nossos dias: em primeiro lugar, o Espaço da educação vai mudar, uma vez que todos os sítios são para aprender, incluindo dentro da própria escola. Em segundo lugar, o Tempo, pois aprendemos em qualquer momento e em qualquer lugar. Depois o Currículo, onde tudo o que lá não consta também é para aprender. E finalmente os Atores/os Profissionais, porque o sistema educativo não inclui apenas professores.
Carreira especial demoraria mais 20 anos
Daqui se compreende a necessidade de existirem perfis específicos para os TND. Relativamente a esta questão, o SEAIE mencionou três pressupostos: educar é relação, relacionar-se com, o que considera um ato generoso de se entregar ao outro, o “mais generoso a seguir à Maternidade”. Neste ponto, Pedro Dantas Cunha convocou o seu mestre António Coimbra de Matos, porventura o maior psiquiatra português. O mestre defendia que “eu sou porque sou amado”. Ora, os TND são profissionais de relações, profissionais a estabelecer relações.
O segundo pressuposto é que a Educação é para profissionais, é uma entrega. Por isso, temos que definir o estatuto destes educadores. Em terceiro lugar, a educação não existe sem família: “Temos que ser família à volta da escola”, sublinhou. “Todos os profissionais constituem uma família e é bom que essa família seja funcional. Temos que valorizar as diversidades. Há especificidades dentro das nossas casas. Também tem que ser assim no serviço educativo prestado pelos TND”.
Pedro Dantas da Cunha revelou que “a pedra angular que a tutela vai apresentar no estatuto é o princípio da especialização. Queremos muito valorizar as funções dos TND, qualificar, e isso inclui os salários. Educar não é para qualquer um, de qualquer maneira”. O SEAIE justificou os princípios defendidos pelo Governo com o Orçamento de Estado 2025, ainda em discussão: “Queremos clarificar as competências do triângulo Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI), Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e Diretores escolares, que ficou um pouco a meio da ponte. Falta definir quem é responsável por quem e isto ainda está por fazer”.
Outra vertente estratégica é avaliar o que correu bem, e o que correu menos bem, no Decreto-Lei da transferência de competências: “O MECI não fica desresponsabilizado e está atento aos padrões de alta qualidade que vão ser exigidos. Temos que melhorar o que existe, melhorando o que falta ainda clarificar”. Pedro Dantas da Cunha insiste que é preciso também rever a lei orgânica do MECI, organismo que, por vocação, está centrado em Lisboa. E ainda rever e revisitar o quadro de gestão das escolas, que estão muito dependentes do Ministério da Educação.
Por fim, arrumar a casa, dentro do próprio MECI. O SE não cede à tentação de revelar que em abril “não tínhamos ainda um levantamento dos técnicos especializados, mas agora já sabemos. Ficámos a conhecer casos de profissionais com 13 anos de renovações. Isto é imoral, ilegal. Neste momento, já temos um mapa desses técnicos e em princípio virá um concurso já em 2025. Deste modo, ficarão a saber onde vão ficar para a vida”.
Os TND defendem a criação de uma carreira especial. Porém, Pedro Dantas da Cunha assegura que uma carreira especial demoraria pelo menos mais 20 anos a construir. Daí preferir a via da valorização, através da especialização e da qualificação destes profissionais.
Gerar a mudança
O tema da comemoração do Dia Nacional do Trabalhador Não Docente 2024 foi "Que papel no futuro da educação, que perfil e competências". O evento começou com a atuação da cantora local Sara Margarida, que, entre outros, cantou “Confesso”, “Ai, Mouraria” e “Cheira bem, cheira a Lisboa”, fados clássicos da autoria de Amália Rodrigues.
A abertura ocorreu pelas 14h30. Cristina Peixoto, Presidente do STAE-ZN, afirmou que “durante muito tempo passamos despercebidos, mas somos hoje um pilar consistente para todo o sistema educativo. Somos trabalho, exemplo, dedicação e amor. No entanto, a estabilidade tarda em chegar. Há uma união muito grande entre os TND. E se Camões escreveu mudam-se os tempos, mudam-se as vontades, nós queremos ser o motor gerador de mudanças”.
Por sua vez, Alexandre Favaios, Vice-Presidente e vereador com o pelouro da Educação da Câmara Municipal de Vila Real (CMVR), destacou que “há uma necessidade premente e efetiva de valorizar os TND das escolas. Sem a sua retaguarda as escolas não funcionam. É urgente atualizar os rácios de assistentes técnicos e assistentes operacionais. Os TND são essenciais. E os municípios estão mais conscientes desta necessidade. Isto é uma questão de sentir, não é uma questão política”.
Alexandre Favaios sublinhou que o seu município tinha iniciado este ano letivo apenas com trabalhadores do quadro municipal: “Isto é valorização. Mas o reconhecimento dos TND está ainda muito longe de ser satisfatório”.
30 anos de serviço com salário mínimo nacional
Pelas 15h00 deu-se início à primeira mesa redonda da tarde com a participação dos três presidentes dos STAEs da FNE (Cristina Ferreira – Zona Sul e Regiões Autónomas, João Ramalho – Zona Centro e Cristina Peixoto – Zona Norte), com moderação de Mariana Afonso, técnica superiora da CMVR.
Cristina Ferreira discorreu sobre as inquietações dos TND, considerados indispensáveis, mas sempre invisíveis: “Temos que ser considerados da equipa de educação da escola, falta o respeito que não têm por nós e isso que tem que acabar. Essa dor persiste em cada TND. Somos também educadores, devemos ter formação e estar capacitados. Os TND têm que ser vistos como parte integrante da escola e da comunidade educativa”.
Para esta presidente, não há uma definição clara de competências entre as partes interessadas, o que nos deixa a todos muito preocupados. Estamos a falar de um poder local que muda de quatro em quatro anos. E quem vem a seguir pode melhorar ou piorar. Não há garantias de continuidade. Esta situação tem que ficar garantida na legislação. Isto é para já, porque para ontem e anteontem já era tarde”.
João Ramalho recordou que tinham conseguido negociar uma carreira especial com o Ministro Marçal Grilo: “Essa carreira tinha tudo aquilo por que andamos a lutar hoje. Mas o diploma 515/99, de 24 de novembro, foi revogado devido a critérios economicistas e caímos no conceito de carreiras gerais. Temos uma escola inclusiva, o que é maravilhoso. Mas que formação temos para lidar com estes desafios? Se houver um problema levamos logo com um processo disciplinar”.
O mais grave ainda é que “muitos de nós ganham o salário mínimo nacional. É vergonhoso. Alguns com 30 anos de serviço. Sentimo-nos injustiçados. Os assistentes técnicos ganham muito pouco e sofrem uma pressão muito grande. Muita responsabilidade cai sobre eles nas escolas. Com a entrega forçada dos TND às autarquias o patrão direto deles é o diretor. Mas acima da figura do diretor está a Câmara Municipal. Andamos aqui na terra de ninguém. Sentimo-nos desamparados”.
João Ramalho insiste que as escolas e os municípios andam em dessintonia. E os diretores são também vítimas: “Precisamos que o MECI, a ANMP e a ANDAEP, associação de diretores escolares, trabalhem em harmonia. E não estamos aqui no muro das lamentações”.
Vítimas da lógica de mercado
Cristina Peixoto refere que os TND são pau para toda a colher: “Está na altura de sermos reconhecidos a nível de carreira e temos que ter os nossos conteúdos funcionais no papel. Passar para os municípios trouxe muitos desafios. Mas temos que fazer muito mais. Somos agentes de educação e não gostamos nada da designação ‘não docentes’. Todos sabemos que existe uma grande falta de articulação entre as escolas e os municípios. E por vezes sentimo-nos uma bola de pingue-pongue”.
Para a presidente do STAE-ZN, “somos trabalho, mas também somos Educação”. E a falta de formação é uma dor que atinge estes profissionais. Depois, quando vem à baila o SIADAP, soltam-se os cavalos: “Adoro aquela parte em que quando vamos assinar a nossa avaliação dizem-nos: ‘Mas não coloquem a data’. Acontece na generalidade dos municípios. Felizmente, aqui em Vila Real não”.
A um período de perguntas e respostas sucedeu, pelas 17h00, a segunda mesa redonda, com a participação de João Dias da Silva, Presidente da AFIET - Associação para a Formação e Investigação em Educação e Trabalho, Álvaro dos Santos Almeida (ANDAEP) e Pedro Barreiros, Secretário-Geral (SG) da FNE. João Dias da Silva apresentou uma perspetiva histórica muito bem fundamentada da entrada dos STAEs na FNE e das negociações relativas aos TND: “A escola para todos é muito recente, vem do 25 de abril. E tem prevalecido uma designação dos TND como um ‘pessoal menor’. Esta carga negativa tem mais de 100 anos”.
O Presidente da AFIET recordou que os TND têm revelado uma persistência enorme na celebração deste dia nacional e frisa haver poucos estudos sobre a problemática e relevância dos TND nas escolas: “No entanto”, enfatiza, “eles estão na primeira linha de proteção e de segurança de crianças e dos jovens”. Quanto à criação de um Dia Nacional do Assistente Operacional, aventada recentemente, João Dias da Silva comenta, de forma satírica, que “não precisamos da invenção de uma roda quadrada. A FNE já comemora este dia há cerca de 20 anos”.
Quem tem história sabe história: “Em 1993, a FNE apresentou a primeira estrutura dos conteúdos funcionais dos TND. Marçal Grilo foi decisivo no reconhecimento e na sua valorização. Mas pouco depois veio a crise do final de milénio. E a falta de dinheiro, juntamente com uma lógica de flexibilidade, polivalência e racionalização de recursos humanos foram fatais. Fomos vítimas de uma lógica de mercado”.
João Dias da Silva sublinhou que todos dentro da escola são importantes. Daí ter revisitado muitos esforços negociais, que foram conduzidos pela FNE em nome dos TND. O seu lema é o de continuarmos a manter a chama acesa, mas lembra que temos de refletir sobre o papel dos TND e da sua cultura organizacional e profissional, que influi sobre o clima escolar: “É preciso colmatar esta brecha através da investigação. Continuo a achar errado que a gestão dos TND tivesse sido garantida na transferência para os municípios. Tem que haver, sim, uma clarificação na atribuição de competências, mas acompanhada de uma distribuição de recursos. Continuem na vossa resiliência. Na vossa perseverança. Na vossa esperança”.
Álvaro Santos, ex-diretor da Escola Secundária de Valadares, confessou estar profundamente grato pela qualidade dos TND que trabalharam consigo: “Eles ajudam a criar um clima de confiança e harmonia nas escolas. 68% dos alunos no PISA sentem que há uma perturbação nas escolas quando faltam os TND”.
Quanto à insuficiência destes profissionais nas escolas, revela que mais de 30% dos diretores estavam insatisfeitos com a gestão dos TND pelas autarquias: “A ANDAEP defende uma valorização das carreiras e uma valorização salarial. Os TND são essenciais numa escola que se quer inclusiva. E os diretores estão preocupados com o desequilíbrio do rácio”.
FNE sem marcha atrás
Pedro Barreiros fez um historial completo de cerca de duas décadas de comemoração do Dia Nacional do TND pela FNE: “Todos nós temos um papel crucial na educação, todos educamos”. De seguida relacionou a subida dos níveis de indisciplina e de violência nas escolas com o défice de recursos humanos: “Alguns casos poderiam ser evitados, com mais orientação e vigilância. A convivência escolar pode ser colocada em risco. O que se passa é que há falta de professores e há falta de TND”.
O SG da FNE recordou que o Acordo de dois agosto de 1999 modernizou a carreira dos TND e já tinha as áreas funcionais. Ora o Decreto de Lei 515/1999, de 24 de novembro, que hoje todos recordamos foi revogado e acabou por ser a machadada final no acordo que a FNE tinha celebrado. Pedro Barreiros considera haver questões de carreira, de organização e de valorização para resolver. E o trabalhador tem que ser o ponto charneira da mudança. Em sua opinião tudo se resume ao seguinte: “Se não for possível pela via negocial não haverá marcha atrás da FNE”.
Um quarteto de violinos do Conservatório de Vila Real apresentou três momentos musicais, que antecederam o encerramento desta celebração. Pedro Barreiros procedeu à leitura dos momentos essenciais da Resolução da FNE, concluindo que “queremos fazer parte das soluções, para o que é importante procedermos a um calendário negocial relativo aos TND”. O SE registou e a Resolução foi aprovada por unanimidade. Pedro Dantas da Cunha encerrou então o evento de Vila Real.
O Dia Nacional do TND celebra-se oficialmente no dia 24 de novembro, em memória da data da publicação do DL 515/99, que aprovou o Regime Jurídico do Pessoal Não Docente e estabeleceu um marco importante para a dignificação destes trabalhadores na comunidade educativa.Categorias
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