Conferência de Braga da Convivência Escolar: Só a escola não chega

30-1-2025

Conferência de Braga da Convivência Escolar: Só a escola não chega
Sim a uma boa convivência e organização escolar, sim a um apoio total a alunos estrangeiros, a uma formação contínua autónoma, sem espartilhos financeiros e construída com flexibilidade crítica sobre as práticas letivas. Mas na equação, jamais podemos esquecer o que incomoda e inquieta a classe docente. João Carlos Major deu o mote: a escola é um instrumento por excelência de humanização, mas precisamos de ter professores humanizados. E depois, cada um de nós faz a diferença, mas temos que fazer a diferença para nós mesmos.

Este poderia ser o sumário da conferência FNE/AFIET sobre a "Convivência Escolar", que decorreu na tarde de 30 de janeiro de 2025 no Auditório do Agrupamento de Escolas Alberto Sampaio (AESAS), em Braga. O evento inscreveu-se no âmbito da "Semana da Convivência Escolar", organizada entre 27 e 31 de janeiro pelo Observatório da Convivência Escolar, do qual a FNE e a AFIET são partes integrantes.

A conferência proporcionou uma tarde proveitosa e merecidamente bem educativa de promoção de uma convivência escolar positiva, inclusiva e de respeito total pelas diversidades que convivem nos espaços e comunidades educativos. O objetivo foi o da promoção e reflexão sobre uma boa convivência escolar, favorável às aprendizagens e aos grandes valores humanos, envolvendo todas as partes interessadas na educação, com vista a políticas públicas de qualidade. A sessão de abertura esteve a cargo de João Dias da Silva (Presidente da AFIET), João Andrade (Diretor do AESAS) e Carla Sepúlveda (Vereadora da Educação da C.M. Braga). 

Coube ao Presidente da AFIET, João Dias da Silva, iniciar a abertura da conferência com as seguintes palavras: “A iniciativa de constituição deste Observatório surgiu da necessidade de insistir no princípio de que na qualidade das aprendizagens interferem significativamente a boa qualidade das relações interpessoais no espaço escolar, o respeito mútuo entre todos os membros da comunidade educativa, uma expetativa elevada em relação ao efeito do empenho escolar dos alunos para o seu desenvolvimento enquanto pessoas e cidadãos, o envolvimento de todos os atores na definição da atividade e das regras de cada escola”.

Perante um auditório muito atento, o líder da AFIET continuou: “Não podemos ignorar que tem havido circunstâncias várias em que nas nossas escolas e ao seu redor se registam incidentes, uns mais graves do que outros, uns mais visíveis do que outros, e que se traduzem em comportamentos perturbadores do processo de ensino-aprendizagem, em faltas de respeito, em agressões, físicas e verbais, em bullying e em ciberbullying”.

Independentemente da sua exata dimensão estatística – difícil de medir por várias razões -, “estes factos não nos deixam indiferentes”, sublinhou João Dias da Silva. “E não nos podem deixar indiferentes, porque conhecemos os estudos que têm sido desenvolvidos sobre o efeito da indisciplina em sala de aula sobre a qualidade do desenvolvimento dos processos de ensino-aprendizagem. Porque conhecemos os estudos sobre os efeitos das desigualdades sociais e da pobreza nos comportamentos dos alunos e sobre os seus percursos escolares. Porque conhecemos os resultados da investigação que se vai fazendo sobre a indisciplina e a violência em contexto escolar, as suas origens e os seus efeitos”.

Neste âmbito, realçou, o Observatório pretende constituir um contributo ativo para que cresça e se fortaleça a boa qualidade da convivência escolar, o que as sete organizações que o promovem fazem com o maior empenho, nomeadamente através do sítio web https://convivenciaescolar.pt/.

Respeitar a diversidade

“Queremos que este sítio constitua um repositório de boas práticas, não para que sejam copiadas, mas para que sejam conhecidas e delas extraídas sugestões e ideias que possam alimentar novas experiências e novas respostas a problemas que venham a ser identificados”, notou João Dias da Silva.

“Por outro lado”, prosseguiu, “o Observatório tem procurado constituir um mecanismo de apoio para que nos sejam relatadas situações de violação da desejada boa convivência escolar, havendo no nosso sítio web um espaço para que possam ser apresentadas situações concretas ocorridas nas nossas escolas e que, numas circunstâncias, nos permitem proporcionar algum apoio específico e noutras circunstâncias, aumentam o nosso conhecimento sobre o que acontece nas escolas” - mas fora dos frios números das estatísticas que categorizam situações diversas, que não permitem o conhecimento da realidade crua das ocorrências.

A finalizar a sua intervenção, João Dias da Silva delimitou o espaço de promoção e reflexão desta Conferência, realçando que se realizava sob o lema da qualidade da convivência escolar, a qual é efeito de múltiplos fatores, internos e externos à escola: “É perante essa complexidade que entendemos hoje e aqui fazer uma escolha e fazer incidir a nossa atenção sobre a ideia de que na escola se aprende a boa convivência e que ela decorre também da própria organização escolar, por um lado, como da formação inicial e continua de docentes e de trabalhadores de apoio educativo. É o desafio que hoje trazemos nesta iniciativa”.

João Andrade sintetizou a sua breve intervenção à volta do tema da escola como um espaço de turbulência, daí o imperativo da promoção e reflexão sobre a boa convivência escolar e na sociedade em geral. Por sua vez, a Vereadora da Educação Carla Sepúlveda sentiu-se muito bem por estar sentada no auditório da escola onde tinha sido aluna durante alguns anos. A responsável municipal refletiu sobre como construir práticas mais inclusivas, num espaço por excelência de formação humana. “A convivência e o respeito pela diversidade são pilares essenciais. Também o são as competências transversais como o respeito, a colaboração, o trabalho colaborativo em equipa”.   
Para Carla Sepúlveda, o bullying e o preconceito podem ser causas de conflitos. Por isso, a comunidade escolar necessita de mediadores de conflitos para resolver as diferenças de forma pacífica. O envolvimento dos pais é cada vez mais presente, o que é muito positivo. Assim como uma boa rede escola, família, comunidade.

“Os projetos sobre competências pessoais e emocionais e a capacitação dos recursos humanos é fundamental”, sublinhou. “O município de Braga está atento aos aspetos da convivência escolar. Estamos a construir um futuro melhor para todos. O objetivo é o de transformar esse futuro num espaço de mudanças que levem a uma convivência de qualidade. Um futuro mais empático e mais inclusivo para todos. Os organizadores estão de parabéns por esta iniciativa”.

Três painéis relacionais

A conferência desenvolveu-se a partir de um triângulo de relações, cada um constituído num painel: diretores escolares, diretoras de centros de formação e uma “visão do interior”. O primeiro painel, "Direções Escolares: promover a Convivência", contou com a participação de quatro diretores: João Andrade, João Manuel Graça (ES Vila Verde), Paulo Jorge Antunes (AE Maximinos - Braga) e Maria de Jesus Teixeira Carvalho (AE Virgínia Moura – Guimarães), com moderação de Pedro Brandão (FNE). 

Este primeiro painel trouxe-nos quatro casos exemplares de como as escolas portuguesas estão empenhadas na promoção e reflexão sobre as temáticas da boa convivência escolar, num contexto de enorme diversidade de alunos, culturas e línguas, inseridas num ambiente educativo nacional centralizador, de uma curta autonomia, cheio de desafios na profissão docente, de transferência de competências e de anseios por um financiamento público da educação mais acentuado, face às necessidades.

João Andrade, diretor do AE Alberto Sampaio, um dos maiores do país, notou que a convivência escolar é fundamental, porque a sociedade tem de aprender a conviver: “Soubemos reagir historicamente aos desafios da convivência, do saber conviver, do saber ouvir os outros. Saber conviver tem vários aspetos. Nós abrimos as portas e precisamos de quem vem de outros países.

Somos um povo de diáspora, não aceitamos a intolerância, nem na escola, nem na sociedade”.

João Andrade realçou que a convivência tem que ser assente em valores, sempre com respeito pela identidade do outro. Em sua opinião, os atentados à identidade do outro não podem ser ambiguidades. A convivência escolar “tem que ser uma construção permanente de todos, pois criar e gerir relações é crucial”.

João Graça da ES de Vila Verde sublinhou que o aluno tem que criar identidade ao espaço social e que é um imperativo criar o sentimento de pertença dos alunos à escola, o seu eco sistema. Aquilo que a OCDE chama de agência do aluno. E deu um exemplo: “Pela sugestão de uma aluna, pusemos o bar da escola a funcionar como o Mcdonald’s. Os alunos aderiram, as coisas começaram a fluir. A convivência tem muito que ver com o espaço físico. Por isso, temos que humanizar a estrutura física em função dos interesses dos alunos. Ter espaços formativos virados para os alunos no ensino básico é igualmente imprescindível”.

João Graça afirmou que tinham problemas de convivência com os alunos que vinham do básico. Foi então que a sua escola decidiu criar um plano de inovação arrojado: “Criámos quatro disciplinas agregadoras para um melhor ambiente de aprendizagem. Trabalhámos o cruzamento das aprendizagens essenciais, numa lógica de ciclo. Surgiram novas dinâmicas de sala de aula numa lógica de grupo, de projeto, em vez de numa lógica de autocarro”. Os grupos passaram a ser dinâmicos, melhorou a convivência escolar e os resultados também.

No seguimento, a ES de Vila Verde passou a ter uma figura de coordenador de ano, em vez de diretores de turma. Os tutores tiveram um grande impacto nas relações de proximidade com as famílias e com os alunos. “Exigem-se novas competências aos alunos. Apostámos num projeto chamado COOPERA, com ambientes mais inclusivos, atrativos para os alunos. Diminuímos os conflitos. Cada sala tem quatro, cinco, grupos, com novos desafios de aprendizagem. Cada aluno contribui e é responsável por um problema. Há aqui uma denotada responsabilização”.

Nas palavras deste diretor, o projeto COOPERA melhorou a aprendizagem na sala de aula e foi uma aposta ganha: “Não somos perfeitos, mas não temos medo do erro”, finalizou.

Gerir a autonomia como gerimos as nossas casas

Por sua vez, Paulo Antunes, diretor do AE de Maximinos, começou por notar que “somos uma escola TEIP, com uma conotação negativa, e o trabalho é duro, mas parece diamante. Temos soluções boas, mas é difícil mobilizar as pessoas, porque as portas do metro abrem e fecham rapidamente. Temos uma cultura de inclusão. Aqui está sempre a entrar gente. A minha escola tem 31% de alunos estrangeiros, com todos os desafios do Português Língua Não Materna e a necessária adaptação ao meio escolar”.

Paulo Antunes afirma com convicção que a “mediação intercultural é fundamental, o respeito entre culturas. Temos 1.700 alunos e precisamos de mais técnicos. Fazemos ações de sensibilização de vária índole. A Escola Segura, a intervenção da Cruz vermelho e da Cáritas têm sido grandes parceiros. Optamos por metodologias que respeitam a convivência, a mentoria, o trabalho cooperativo também no digital. Temos que saber resolver problemas de forma colaborativa. Por isso, apostamos nos clubes e nas parcerias”.

A escola de Maximinos incentiva prestações cívicas e valoriza a educação para a cidadania: “Temos uma educadora social excelente e damos voz aos alunos. O desenvolvimento da comunidade é muito importante. É preciso uma rede de colaboração. Só a escola não chega. Dentro deste espírito temos o Chá com Pais. Todas estas ações reduzem o absentismo e o abandono escolar. Este ano só tivemos o abandono de uma aluna de uma etnia cigana. Melhorar o clima escolar é preciso. Somos um espaço seguro.  A nossa avaliação externa enfatizou estes aspetos”.

Para Paulo Antunes, numa cultura de respeito e inclusão, o bem-estar dos docentes, dos trabalhadores não docentes e o trabalho cooperativo com a comunidade são funções vitais. Mas contrapõe: “Os recursos humanos são uma prioridade e só fazer estudos não chega. O nosso sistema educativo está formatado para os exames, e isso só dificulta a equação”.

Maria de Jesus Carvalho é a diretora do AE Virgínia Moura, de Guimarães, uma escola rural, a mais afastada do concelho, com um grande convívio com alunos migrantes: “Temos 114 alunos de 15, 16 nacionalidades. Na maioria do Bangladesh e do Nepal. Suas famílias trabalham em Moreira de Cónegos. O aluno estrangeiro não é um problema, não é um constrangimento, mas um desafio. O lema da minha escola é ‘Sejam felizes, venham para a escola’. Todos os imigrantes trazem uma bagagem única. E nós queremos integrar a cultura deles na escola. É curioso que, tendo cultos diversos, todos os alunos imigrantes estão inscritos em Religião e Moral. A Festa de Natal passou a ser em janeiro, e os alunos apresentam as suas músicas e as suas danças tradicionais”.

Maria de Jesus Carvalho realça que a sua escola tem um ensino bilingue (Português – Inglês) e que os pais veem sempre à escola com tradutor. “Os jovens sentem-se felizes na escola. Nunca tivemos um processo disciplinar com eles. O reforço de língua é muito social. Temos guiões de acolhimento em várias línguas, um deles explicativo do sistema educativo português. Depois das aulas os pais visitam a escola e sentam-se na cadeira das salas de aula dos filhos. Os pais conhecem bem os espaços da escola dos filhos e na semana da diversidade cozinham pratos das suas culinárias na escola”. Outra prática de louvar são As Cartas do Mundo: “Os alunos escrevem cartas a alunos de outras escolas, da mesma língua ou de línguas diferentes”.

De um modo geral, os diretores confessaram que a autonomia condiciona bastante a ação nas suas escolas. Poderiam até ter melhores resultados, mas não pedem um estatuto do aluno que seja coercivo. Falaram da gravidade da falta de professores e Paulo Antunes até se considerou um professor raro, por ser de geografia: “O estatuto do aluno é muito burocrático”, soltou. “E já agora dispenso a autonomia dos telemóveis”, terminou. Todos concordaram que às escolas o que é das escolas, e ao Ministério da Educação o que é do Ministério. 

Maria de Jesus Carvalho sublinhou, por sua vez, que “temos alguma autonomia e gerimos a autonomia como gerimos a nossa casa”.

Viver num espartilho financeiro

O segundo painel foi dedicado ao tema "A Formação contínua: capacitar para saber lidar e prevenir", com a participação de Ana Paula Vilela (Centro de Formação Braga Sul), Maria Manuela Nunes (Centro de Formação Martins Sarmento) e Sandra Dias (Centro de Formação de Professores do SPZN), com moderação de Alexandre Dias (SPZN).

Ana Paula Vilela afirmou que é crença nacional que a formação contínua é a panaceia para todos os males, o que não é certo. A formação contínua é imprescindível para a profissão docente. A diretora do Centro de Formação de Braga Sul apresentou uma perspetiva histórica da formação desde a Lei de Bases do Sistema Educativo e falou dos constrangimentos até aos nossos dias. Sobretudo do malefício da ligação da formação à progressão na carreira, que sempre inquinou o processo e passou logo a ser o mal de todos os males, e o facto de 50% da formação ser imposta às escolas.

“Até 2006 a maioria das ofertas eram cursos de formação e depois começámos a ter oficinas de formação, com o benefício de aplicação na sala de aula. Quanto aos atuais Centros de Formação de Agrupamentos Escolares (CFAE) estão cercados de novos problemas e novos constrangimentos, entre eles a falta de autonomia pedagógica e financeira e limitações várias relativas à participação dos próprios formadores”.

Em 2016, o Plano Nacional Promoção do Sucesso Escolar trouxe uma renovação positiva. Ana Paula Vilela acredita numa formação que favoreça a convivência escolar e que seja construída com flexibilidade crítica sobre as práticas letivas, como defende António Nóvoa. Os docentes precisam de uma boa formação contínua ao longo da vida para enfrentar os desafios da profissão e da carreira docentes. Para o demonstrar, serviu-se dos resultados do TIMMS, do PIACC e do Estado da Educação, do CNE.
Para Ana Paula Vilela, “não há carência de formação, há preferências”. Para ela, uma coisa é certa: “Sou contra os MOOC, pois deixamos de ter uma formação de proximidade”.

Nas palavras de Maria Manuela Nunes, não pode ser diretor de escola quem quer e o diretor tem que assumir a convivência: “Tem que haver formação para o cargo de diretor, assim como para as equipas à sua volta. Temos que conhecer muito bem a realidade das nossas escolas, mas algumas têm alergia aos números”. 

Em sua opinião, a formação de professores não resolve desafios nenhuns, pois é indispensável  um plano estruturado a nível nacional: “Temos que ter uma monitorização dos problemas, com metas definidas. Os professores são mais necessários dentro das salas de aula e a formação dos não docentes é muito importante. Por exemplo em casos de bullying. A formação contínua tem que mudar. Precisamos de mais autonomia, porque vivemos num espartilho da parte financeira”.
Maria Manuela Nunes é peremptória: “Tenho que ter meios para que um formador possa ir à escola ajudar os professores na implementação da formação. O pagamento à hora do formador é insuficiente e temos que acabar com a formação em horários indignos. Bastava uma tarde com esse fim”.

Sandra Dias citou Nélson Mandela e George Bernard Shaw para sublinhar o poder transformador da escola, empenhada e confrontada com um mundo melhor. Depois revelou que os docentes têm requisitado muitas formações relacionadas com alunos estrangeiros. A diretora do Centro de Formação do SPZN defende que a formação deve ser estendida aos trabalhadores não docentes, aos alunos e aos pais. Em grande medida, a formação é crucial como pedagogia, aprendizagem, cidadania e como prevenção.

Sandra Dias recordou que o número de crimes em contexto escolar aumentou 30% em seis anos e lamentou a dificuldade de recrutar formadores em determinadas áreas. Outro constrangimento é o limite de 15 alunos em formações online. O limite poderia crescer até os 30 formandos. Urge, pois, reforçar a formação em áreas como a integração e a inclusão. Falando então da escola em que trabalha, lamentou que alunos de 30 nacionalidades apenas tenham direito a meio mediador (horário de 18 horas), o que é claramente insuficiente.

A finalizar este segundo painel, o moderador Alexandre Dias considerou que as escolas não estão preparadas para uma boa convivência escolar e que os professores sentem dificuldades e perdem a motivação. Neste contexto, “o Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua deveria dar mais importância a ações sobre a convivência escolar”.

Sempre houve violência gratuita

O terceiro painel da Conferência Convivência Escolar foi dedicado à “Visão externa do que se passa no “interior” e teve a participação do psicoterapeuta e académico João Carlos Major, com moderação de António Jorge Pinto (FNE). O especialista falou do stresse e burnout docente, que constituem um queimar-se até ao fim, uma vela que se queimou até ao fim. A sua mensagem principal foi que aquilo que o inquieta é a classe docente, a quem é preciso salvar a dignidade: “O que é que os incomoda, inquieta? O que fazem por ela?”, perguntou-se.

A classe docente está a ser atacada de mil formas, os professores estão no limite emocional: “Como está a saúde mental da classe docente? Podemos falar em formação, sim, mas quem são esses que têm que dar as formações? Acolhemos os imigrantes, mas quem acolhe os professores, os seus problemas, os seus dramas, onde está a convivência? O que fazemos, em termos de convivialidade, com os docentes?”

O papel do psicólogo é o de estar na frente da batalha da educação. Os professores têm que ter competências emocionais. Para João Carlos Major, “estar emocionalmente inteiro é o que distingue o bom do mau professor. ‘O meu aluno estava a falar e eu nem o estava a ouvir’, disse-me um professor. Onde é que os professores têm apoio? Somos dos países da europa que mais consumimos psicotrópicos. Muitos são professores”.

O especialista di-lo com experiência e convicção: “As questões dos filhos são as dos pais. A escola é um instrumento por excelência de humanização, mas precisamos de ter professores humanizados. Onde estão as ofertas sociais de acolhimento, de apoio, dos professores? Temos que mudar este paradigma”. Para João Carlos Major, a A3AS matou a universidade: “Onde está a individualidade, o trabalho pela pessoa humana? Que psicólogo clínico posso ser se não me trabalhar? E o professor?”.

Sobre um caso recente de violência sobre uma criança autista, o psicoterapeuta notou: “Sempre houve violência gratuita e sempre haverá. O ser humano é um bichinho. Já tivemos neuróticos e psicóticos. Hoje em dia temos muitos borderlines: pessoas em permanente dor, desequilíbrio, em descompensação. Os grandes guias estão hoje falidos. E não nos podemos escandalizar em demasia, sermos virgens ofendidas. O deputado das malas tem de ser tratado. Temos que ser integradores, psicológicos e sociológicos”.

Sobre os telemóveis considerou: “O que fazemos nas nossas casas e nos restaurantes? Muitas pessoas estão ressabiadas nas suas profissões. Temos que nos virar para a saúde mental e emocional da classe docente. O que nos faz sentir vivos, a vibrar na profissão docente? Isso transmite-se aos alunos. Cada um de nós faz a diferença, mas temos que fazer a diferença para nós mesmos. Se não dermos um passo atrás no telemóvel, não damos mais nenhum passo à frente. Há uma obrigação social de nos humanizarmos”.

Saber mudar

Coube ao Secretário-Geral (SG) da FNE, Pedro Barreiros, encerrar a conferência: “Dentro de nossas possibilidades, estamos a responder bem aos alunos imigrantes. E é importante saber dizer não. Nós não sabemos dizer não e todos temos aqui responsabilidades. Descobri uma frase hoje à tarde relacionada com um músico: ‘Envelhecer é uma coisa extraordinária em que nos tornamos numa coisa que sempre deveríamos ter sido’. O Observatório da Convivência Escolar era um desejo antigo da FNE e da AFIET. Da intervenção de João Carlos Major retive três ideias: 1 - Todos; 2 - Estudos: Chega de estudos: importa é resolver as questões; 3 - Morremos”.

O SG da FNE sublinhou que diariamente ouvíamos de professores a palavra desistir: “Espero que a chama que se acendeu junto de muitos, com a conquista dos anos congelados, e o futuro novo ECD tenham um efeito contrário na educação. Precisamos de uma boa formação contínua, de um tempo de trabalho digno e de saber dizer não. Também temos 78% de mulheres no setor. Temos que as saber valorizar: na escola, em família, na sociedade. Havia em tempos uma escola onde dava prazer estar, trabalhar, colaborar. Hoje quer-se fugir da escola. Antes, o que era meu era de todos. Mas hoje, a competitividade dilacera a profissão docente. Temos que saber mudar”.


30-01-2025 | Conferência "Convivência Escolar"