A Escola Pública Merece +

22-6-2025

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Avaliação com Justiça, Transparência e Confiança:
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A recente divulgação da prova final de Matemática do 9.º ano, nas redes sociais, gerou alarme público e comentários diversos. Contudo, concentrar o debate apenas na “fuga de informação” seria perder de vista o verdadeiro problema: a estratégia errada do Ministério da Educação, Ciência e Inovação (MECI) de reutilizar itens da mesma prova em anos consecutivos e, consequentemente, não tornar pública a prova.


Esta decisão não é apenas tecnicamente arriscada. É reveladora de uma visão centralizadora da avaliação, que procura transformar as provas nacionais numa ferramenta de monitorização do sistema, ignorando a sua dimensão pedagógica. Reutilizar o mesmo instrumento avaliativo para comparar anos, medir tendências e, eventualmente, classificar escolas e práticas, é desconsiderar por completo a natureza viva, mutável e contextual da aprendizagem, bem como a própria instabilidade estrutural a que a escola está sujeita com mudanças legislativas, curriculares e organizacionais constantes.

Como se costuma dizer, a pior regra é aquela que sabemos não conseguir fazer cumprir. O MECI esqueceu-se disto. E, ao fazê-lo, abriu a porta a um conjunto de efeitos perversos, incluindo a descredibilização do processo avaliativo e a redução do espaço de confiança entre os vários agentes educativos.

Mais grave ainda é a forma como o MECI reagiu à situação ao afirmar que a divulgação da prova “não compromete a sua validade”, revelando-se mais preocupado com a manutenção do controlo do que com a garantia de credibilidade, transparência e justiça no processo. Não se pode aceitar esta lógica.

A avaliação deve ser um momento de justiça, não um exercício de controlo opaco. Deve respeitar os direitos dos alunos, pais e professores ao acesso ao enunciado, aos critérios de classificação, à consulta da sua prova e à possibilidade de pedido de reapreciação após a consulta da prova. São direitos fundamentais que não podem ser relativizados em nome de uma lógica de eficiência burocrática.


Este episódio levanta questões sérias
:

·       Porque se insiste em ocultar informação que, por princípio, deve ser pública?

·       Como se garante o direito dos alunos à impugnação, se lhes é negado o acesso aos instrumentos que os avaliam?

·       Como se pode confiar num sistema que não respeita os seus próprios princípios?


Mesmo que o caso concreto venha a revelar um impacto reduzido nos resultados, que só o tempo dirá, o precedente é perigoso. Porque ameaça direitos, porque esvazia garantias e porque evidencia uma gestão política onde os erros cometidos são evitáveis, mas nem por isso corrigidos.

As provas finais não podem ser transformadas em instrumentos de vigilância disfarçada. Precisam de ser construídas com rigor, mas também com sensibilidade e justiça. A escola pública não se governa com base em tabelas de Excel. Governa-se com diálogo, com proximidade às escolas, com respeito pelo trabalho dos professores e com confiança na comunidade educativa.

Tenho dificuldade em concordar com esta visão mais limitada da avaliação. Monitorizar o sistema não pode significar sufocar a autonomia, restringir direitos ou desvalorizar os princípios democráticos da escola pública. Reutilizar provas como se fossem ferramentas neutras de medição não é apenas pedagogicamente pobre, é politicamente perigoso.

É fundamental que o MECI reveja com urgência esta estratégia e que envolva as associações profissionais, sindicais e outras entidades relevantes na reconstrução de um modelo de avaliação que seja transparente, justo e pedagogicamente sólido.

Controlar desta forma a Educação é limitar o seu potencial transformador. A Educação constrói-se com confiança, com responsabilidade e com visão de futuro. Tudo o resto é retrocesso.

 

Porto, 22 de junho de 2025

 

Pedro Barreiros

 


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