O Governo não pode ignorar o espaço do diálogo social

29-2-2020

O Governo não pode ignorar o espaço do diálogo social

Estamos a chegar ao final do mês de fevereiro sem que tenham resultado quaisquer consequências para docentes e não docentes da escola portuguesa da primeira e até agora única reunião ocorrida com o Ministro da Educação na atual Legislatura no passado dia 22 de janeiro.

Simultaneamente, fecha-se um ciclo negocial com os sindicatos da Administração Pública a propósito dos aumentos salariais para 2020, com o Governo a manter uma indisponibilidade total para acolher propostas sindicais realistas, multifacetadas, abertas ao princípio da negociação e até com perspetiva de impacto plurianual no horizonte da Legislatura.

Estas indisponibilidades do Governo podem querer assumir que este procura manter expetativas de negociação de apoio parlamentar com os Partidos que apoiaram a solução governativa da Legislatura anterior, guardando para esse efeito e como contrapartida ganhos sociais, transferindo indevidamente desta forma para a esfera parlamentar matérias que devem ser preservadas no âmbito do diálogo social.

Entenderá o Governo que fica desta forma com um capital de ganhos sociais ou trunfos que poderá vir a utilizar em situações futuras de dificuldade governativa, para então os oferecer aos parceiros que escolheu para a governabilidade, mas sabendo que os parceiros que procurará são os que desvalorizam por completo o diálogo e a concertação social e por isso não se recusarão a substituir o diálogo social e a concertação por ganhos políticos que justifiquem o apoio ao Governo.

Esta atitude do Governo, a manter-se, parece que traduz a intenção de conduzir ao esvaziamento da relevância dos sindicatos, procurando diminuir a sua implantação entre os trabalhadores, esquecendo que por este caminho só tem como consequência o aparecimento de espaços para a emergência de movimentos inorgânicos irresponsáveis e irresponsabilizáveis e também de todos os populismos e radicalismos.

Convencido de que ficaria livre da pressão de sindicatos fortes, o Governo julgaria que teria ganha a paz social, o que a experiência tem demonstrado que não é o que acontece, como se tem visto na persistente agitação social que tem marcado a vida da sociedade francesa.

Bem faria o Governo em ouvir as palavras do secretário-geral da OIT, Guy Ryder, quando este apela ao diálogo social que só é real quando, para além das conversas, se concretiza em medidas que resultam desse diálogo social e nas quais se envolvem os parceiros da negociação.

Bem faria o Governo em acolher as recomendações da OCDE e da Comissão Europeia que em mais do que uma oportunidade e nas mais diversas matérias, aconselha o diálogo social e o envolvimento dos Sindicatos nas opções da governação.

Bem faria o Governo em dar atenção aos resultados concretos do diálogo social e da negociação coletiva em que a FNE e outros sindicatos da UGT se têm envolvido e que vai ter expressão no próximo mês de março com a assinatura de uma revisão do Contrato Coletivo do Ensino Particular e das escolas profissionais, com a CNEF, e com a assinatura do primeiro Contrato Coletivo de Trabalho para as Mutalidades Portuguesas, eliminando uma zona branca de negociação que persistia e que só a FNE e os restantes sindicatos da UGT conseguiram preencher.

São dois instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho em que, através de negociações complexas, foi possível salvaguardar os interesses dos Trabalhadores e das Empresas.

A FNE dá aqui um exemplo de que se envolve com determinação, mas também com flexibilidade para o encontro de soluções que conjuguem de uma forma positiva os interesses em presença.

Neste difícil momento, o discernimento, a ponderação e o bom senso são essenciais. Mas não podem estar só de um dos lados da mesa e não são ilimitados.

Impõe-se, pois, que o Governo aposte na via do diálogo e da valorização dos contributos sindicais para um país mais desenvolvido e justo.

 

Porto, 29 de fevereiro de 2020

João Dias da Silva

Secretário-Geral da FNE


in jornal online FNE - fevereiro 2020