A FNE apresentou em 5 de dezembro de 2019 os resultados da sua Consulta Nacional sobre Educação Inclusiva, em que participaram mais de 600 professores e educadores, entre eles Educadores de Infância, Docentes, Professores Titulares de Turma, Diretores de Turma e Docentes de Educação Especial. A consulta incluiu ainda entrevistas a 70 diretores de escola e incidiu sobre a operacionalização do Regime da Educação Inclusiva (Decreto-Lei nº 54/2018, de 6 de julho). A apresentação dos resultados decorreu em forma de seminário, sob o título “Melhorar a Educação Inclusiva”, perante uma audiência de cerca de uma centena de participantes, no Novotel, em Lisboa.
O seminário contou com a presença na plateia das deputadas Lina Lopes (PSD), Ana Rita Bessa (CDS), Alexandra Vieira (BE) e Anabela Castro (PAN), em representação dos Grupos Parlamentares dos partidos e teve a sessão de abertura a cargo de Fátima Carvalho, Coordenadora do Grupo de Trabalho da FNE sobre Educação Inclusiva, e Jorge Santos, Presidente da Mesa do Congresso e do Conselho Geral da FNE.
Fátima Carvalho, após uma saudação especial a todos os que fizeram parte deste grupo de trabalho, apresentou e justificou as razões pelas quais a FNE avançou para este estudo: "A FNE percebeu, pelo contato que ia tendo com os professores, que o DL nº 54 estava a gerar alguma controvérsia e muitas dúvidas. Daí ter sido percebido que era necessário avançarmos para uma Consulta Nacional". Já Jorge Santos realizou uma breve perspetiva histórica, passando pelo papel que as escolas públicas foram ganhando na 'normalização' deste modelo, pela Declaração de Salamanca e pelos valores da inclusão, afirmando ainda que "este é um tema com mais de um século e que urge procurar respostas para que todos tenham um desenvolvimento com os mesmos direitos”.
A apresentação do estudo elaborado sobre a aplicação do Decreto-Lei nº 54/2018 contou com intervenções do Grupo de Trabalho da FNE sobre Educação Inclusiva (Fátima Carvalho: Coordenadora; Gabriel Constantino e Paulo Fernandes: Secretários Nacionais; José Carlos Lopes, Paula Martins e Alcino Silva: dirigentes) e com a discussão dos resultados como primeiro ponto em destaque.
Os resultados deixaram perceber que, relativamente à burocracia criado por este documento, 65% consideraram-no muito burocrático e gerador de desigualdades no acesso e no tipo de respostas, colocando em causa o princípio de igualdade e equidade, que o diploma propõe, e aumentou assim a burocratização do processo. Já sobre a aplicação da lei, os resultados mostraram que devia ter sido acautelada com um período de transição, formação adequada para os docentes, não docentes e ainda a criação de estruturas de apoio às escolas em número suficiente. Quanto à elevada falta de compreensão a respeito do 'princípio de abordagem multinível' ficou concluído que se este é um dos princípios estruturantes do diploma o facto de não ser compreendido, nem assimilado, dificulta a sua aplicação.
O âmbito de ação do diploma (Artº1) foi outras das matérias questionadas, percebendo-se que os docentes não estão de acordo com o largo espectro do público-alvo a quem se destina o diploma, defendendo por lado inverso um diploma "específico para os alunos com uma determinada problemática", entendendo-se ainda que o DL 54/2018 se contraria a si próprio, pois tem como objetivo ser um processo que visa responder à diversidade das necessidades e potencialidades de todos e de cada um dos alunos.
Numa síntese sobre a participação dos pais (artº4) concluiu-se que esta está muito aquém do pretendido pelo diploma, que defende que estes (no âmbito do exercício dos poderes e deveres que lhes foram conferidos nos termos da Constituição e da lei) têm o direito e o dever de participar e cooperar ativamente em tudo o que se relacione com a educação do seu filho ou educando.
Dos inquiridos, 91% consideraram que o tempo assumido no diploma é insuficiente para a sua aplicação e 80% assumiram que os seus horários não contemplam tempos para o trabalho colaborativo entre professores. Um dos pontos em destaque é também os 94% de respostas que consideraram que a componente não letiva é insuficiente, sendo urgente a integração destas funções na componente letiva dos docentes.
Face aos resultados obtidos, a FNE vai apresentar à Assembleia da República propostas de alteração do diploma nº 54/2018 que passam por:
Redução da carga burocrática, melhorando assim a sua funcionalidade.
Referência à obrigatoriedade de turmas reduzidas, de modo que fique assegurado que tal situação fique sempre prevista e não dependa de diplomas, cujas condições são revistas anualmente.
Referências específicas a alunos com necessidades educativas especiais de cariz grave/severo.
Inclusão - capacidade de a escola gerar respostas diferentes para alunos com problemáticas diferenciadas.
Contemplar nos horários dos docentes e técnicos tempos para o trabalho colaborativo com vista ao sucesso da aplicação das medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão.
Clarificar as funções atribuídas aos docentes de Educação Especial no âmbito da componente letiva e não letiva.
Reforçar efetivamente o número de Professores de Educação Especial.
Integrar na componente letiva do horário dos professores o trabalho realizado no âmbito das equipas multidisciplinares, que deverá ficar explicitamente lavrada no diploma.
Definir (no corpo de texto da Lei) uma metodologia que integre o recurso a instrumentos que possibilitem a utilização de uma linguagem universal para identificação dos fatores que facilitam e/ou dificultam o progresso e o desenvolvimento das aprendizagens, nomeadamente fatores da escola, do contexto e fatores individuais do aluno.
Aumentar o crédito de horas das escolas destinadas à antecipação e reforço da aprendizagem, ao apoio tutorial, à intervenção com foco académico ou comportamental em pequenos grupos, ao apoio psicopedagógico e ao desenvolvimento de competências de autonomia pessoal e social.
Tendo presente a revogação da Portaria nº 201-C/2015, de 10 de julho, importa dotar as escolas de condições materiais e humanas para a implementação dos Planos Individuais de Transição, previstos no artigo 25º do DL 54/2018, e preencher o vazio legislativo.
Tendo em consideração que as escolas do interior continuam com extremas dificuldades em estabelecer parcerias, devido à sua realidade (nomeadamente inexistência de empresas, de instituições e ausência da intervenção dos Centros de Recursos para a Inclusão), deverão ser previstas no diploma medidas alternativas que compensem estas dificuldades, com reforço de autonomia administrativa e financeira das escolas, ou da criação de programas de incentivo.
Articular os diplomas que versam sobre matérias que se intersetam no que respeita ao seu público-alvo, de forma que os objetivos a que se propõem possam ser cumpridos.
Salvaguardar o direito de acesso ao ensino superior dos jovens com necessidades de apoio à aprendizagem, numa articulação futura com legislação a criar para o efeito, garantindo assim um efetivo direito ao prosseguimento de estudos de todos os cidadãos.
Após um debate que contou com várias questões da plateia, coube a João Dias da Silva, Secretário-Geral (SG) da FNE, o encerramento deste Seminário. Começando por agradecer e congratular o Grupo de Trabalho da FNE que realizou esta Consulta, pelo trabalho consistente, credível e que demonstra a posição séria da FNE perante as questões da Educação Inclusiva, o SG acrescentou depois que "o documento da Consulta Nacional problematiza a aplicação do Decreto-Lei e não constitui um mero exercício de opinião. Ele traduz com sustentabilidade aquilo que os nossos dirigentes já tinham percebido no contato com as escolas e é um exercício relevante, pelo número de pessoas que nele aceitaram participar".
João Dias da Silva não deixou também de lembrar que "a entrada em vigor deste diploma assentou mais uma vez naquilo que é a lógica mais tradicional deste Ministério em relação às mudanças, pois elas são impostas de cima para baixo, sem que sejam chamados a dar a sua opinião sobre a sua concretização aqueles que a vão operacionalizar. Nunca ouviram quem deveriam ouvir, mas sim quem quiseram ouvir e que estavam do lado da solução implementada", afirmando ainda que "este diploma é mais um sinal da falta de respeito pelos professores pois, mais uma vez, ninguém reconheceu a importância que o seu contributo teria", deixando ainda o SG o aviso de que "não há inclusão sem equidade” – que acabaria por ficar como uma das mensagens principais a reter desta Consulta.
E como em tudo o que é matéria de educação, a FNE não desiste e vai apresentar na Assembleia da República, à Comissão Parlamentar de Educação, as conclusões da Consulta Nacional, até porque neste momento, lembrou o SG da FNE, no fecho deste seminário, “está a ser elaborado o Orçamento de Estado (OE) para 2020. Aquilo que foi aqui dito foi que faltam recursos humanos e materiais. Então queremos que o OE para 2020 já tenha a previsão desses recursos, que são essenciais para que o processo de inclusão respeite os alunos".
Os resultados da Consulta Nacional da FNE vão agora servir de fundamentação para as linhas orientadoras de uma proposta de alteração do DL 54/2018, permitindo também uma reflexão responsável sobre a implementação deste diploma junto dos principais agentes educativos envolvidos no processo, assim como a elaboração, com quem está no terreno, de propostas fundamentadas para a sua melhoria e aplicação, capazes de vir a enriquecer um percurso pedagógico-didático, que a FNE deseja verdadeiramente inclusivo.
Este estudo deveu-se às muitas dúvidas levantadas pelos professores e educadores sobre a aplicação da nova legislação, e face ao facto de as medidas nela previstas serem alvo de múltiplas leituras e formas de implementação, consoante as interpretações, tendo-se gerado grande heterogeneidade de processos nas escolas e agrupamentos, que podem colocar em causa a aplicação do diploma, assim como os próprios princípios de Equidade e Inclusão, para que o mesmo aponta.
A FNE agradece a todos os que colaboraram nesta Consulta Nacional, através do preenchimento do questionário ou respondendo à entrevista. O agradecimento estende-se ao Grupo de Trabalho da Inclusão, aos dirigentes sindicais que promoveram a sua divulgação e desenvolvimento logístico no terreno, ao Secretariado Nacional, que acompanhou o seu desenrolar, e aos secretários nacionais mais diretamente envolvidos no seu acompanhamento.