24-9-2018
Relacionados
A sessão de abertura da Conferência de Bragança coube ao Secretário-Geral (SG) da FNE, João Dias da Silva (JDS), Sónia Nogueira (Subdiretora da ESCAT) e ao SG da UGT, Carlos Silva. O Secretário-Geral da FNE fez o enquadramento da iniciativa e lembrou que esta foi a sexta de dez conferências (faltando ainda Lisboa, Braga e Viseu) que a FNE está a promover em todo o país desde janeiro deste ano, em parceria com a UGT, CEFOSAP, ISCTE-IUL, CBS e UFP.
Em sua opinião precisamos de um desenvolvimento sustentável, quer a nível pessoal, coletivo e económico: "Temos grandes desafios na Educação e formação pela frente. Os portugueses possuem uma escolaridade média de 8º ano, temos ainda 500 mil analfabetos e precisamos de mais intervenção cívica, o que exige mais qualificações". Por outro lado, temos de ter profissionais motivados, reconhecidos e valorizados, o que obriga a uma profunda atratividade da carreira. Mas a realidade é que temos problemas graves na profissão, como seja uma grande necessidade de rejuvenescimento do corpo docente nas escolas.
Por seu lado, Sónia Nogueira recordou que "a cidadania também tem que ver com mudança e com o estarmos preparados para ela".
Carlos Silva, aludindo às potencialidades do interior, referiu que "Trás-Os-Montes também exporta pessoas, e não só alheiras e bom azeite. Este ano, a UGT comemora 40 anos e a partir de janeiro de 2019 vamos percorrer as capitais de distrito e levar a nossa mensagem e solidariedade a todo o país". Os professores, sublinhou o SG da UGT, têm levado tanta pancada e Jacob ensinou-nos, na Bíblia, que uma espiga de milho quebra-se facilmente, mas não doze. "Esta é a importância da força da unidade!", explicou.
Nas palavras de Carlos Silva, ainda há muito trabalho a fazer em Educação e formação: "É um estigma que temos que combater. Temos que valorizar os trabalhadores e as suas condições de trabalho. E o professor é um verdadeiro Educador. O Estado tem a obrigação de os valorizar, como profissionais e como seres humanos". Para Carlos Silva, as reivindicações dos professores têm toda a razão de ser.
Rui Nunes foi o primeiro conferencista a usar da palavra, centrando-se no tema da "Educação para uma Cidadania Responsável". Começando por afirmar que temos um país muito diferente do de há 40 anos atrás, elogiou algumas das nossas grandes conquistas, como é o caso do Serviço Nacional de Saúde português, que está à frente do inglês, italiano ou espanhol, ou do nosso segundo lugar mundial no sistema de transplantes, querendo os portugueses "um país de vanguarda".
O orador realçou de seguida que o capital humano é o principal recurso do nosso país: "Há muitas desigualdades à nascença, pois nem todos têm a mesma sorte na lotaria da vida e na lotaria social. É por isso que a escola tem um papel preponderante e é preciso dignificar a profissão docente e aquilo a que chamamos o salário emocional, ou seja, os estímulos, a motivação, a consideração, a valorização da condição dos professores. Rui Nunes frisou que temos obrigação de deixar um melhor sistema de educação aos nossos filhos e ser contra qualquer ortodoxia do pensamento: "O homem é um ser livre e não aceitamos mais que nos imponham uma certa visão do mundo, pois queremos fazer as nossas próprias escolhas".
O exercício individual da liberdade ética é para ele fundamental: "Cada um deve cumprir-se a si mesmo: temos de desenhar uma sociedade em que cada um de nós tenha as mesmas oportunidades. Temos dado passos seguros nesta matéria nas últimas décadas: na educação para a saúde, na educação financeira, na educação para o exercício físico ou na educação para uma alimentação saudável. Mas falhámos na qualidade de vida da população sénior. Queremos um envelhecimento ativo, positivo, responsável, de qualidade, porque daqui a uns anos vamos viver acima dos 100 anos. Mas há desafios a ultrapassar: Portugal tem o maior consumo de álcool per capita do mundo".
Rui Nunes não se cansa de valorizar o papel da Educação e dos professores na sociedade de hoje e do futuro: "Estamos no Top 5 mundial da literacia em saúde, precisamos de uma boa educação sexual, de muita informação e aconselhamento em matérias como o endividamento das famílias (onde o Estado tem de dar o exemplo), uma ética financeira, uma educação para o trabalho (que deve começar aos 14 anos), um bom planeamento familiar ou sobre contraceção (de emergência ou não). Não podemos esquecer que a maior pressão sobre o ser humano é a pressão para a reprodução". Porém, lembra o catedrático de Medicina, todos os recursos são escassos e temos de os saber usar, até porque hoje "formamos cosmocidadãos, para uma Cidadania global".
Acácio Lopes (professor em Bragança), Patrícia Bernardo (doutoranda em Ciências Sociais e da Educação) e Jorge de Almeida Castro (académico e Diretor da Associação para a Educação e Valorização da Região de Aveiro) comentaram a intervenção de Rui Nunes. Acácio Lopes notou que as gentes do interior, incluindo os professores, deveriam "estar protegidos pelos Direitos do Homem" e confidenciou não entender por que razão não se considera a recuperação do tempo de serviço congelado aos docentes portugueses.
Patrícia Bernardo realçou que precisamos de trabalhar vários aspetos relacionados com a Igualdade, que a Educação e formação são um recurso de valor ilimitado e que os Valores são caros aos professores e formadores. Referindo os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, Jorge de Almeida Castro referiu que 2020 ficou muito aquém do que esperávamos e que na Cidadania distingue a profissionalidade docente, que ele deseja ser um meio para pôr tudo a mexer. Perguntando-se: "Como vamos cumprir o 10º ODS?" deu ele mesmo a resposta: "Os professores têm de passar a ser Património da Humanidade".
Sofia Bergano (docente do IPB) foi a segunda conferencista convidada, discorrendo sobre "Educação para a Igualdade de género: conquistas e desafios", centrando a sua comunicação numa reflexão sobre o papel da educação na promoção da igualdade de género e sobre a importância que tem tido na afirmação do papel social das mulheres na sociedade portuguesa nas últimas quatro décadas. Para esta investigadora, que gosta muito da palavra Educador, a escola pública tem feito um grande trabalho na promoção da igualdade de género, mas há ainda muito por fazer, seja nos percursos formativos, seja nas áreas da Educação e do Cuidado, seja nas representações que os jovens e adultos têm em relação aos papéis sociais atribuídos a homens e mulheres. No entanto, considera que as mulheres foram as mais privilegiadas no processo de democratização do acesso à educação. Um outro desafio é dar visibilidade às mulheres na História da Ciência e questionar a veiculação de um paradigma científico tendencialmente androcêntrico. Neste particular, recordou que devemos ajudar os alunos a formar as suas escolhas académicas e profissionais, temos que pensar em novos modelos de organização social ("a maior parte dos presidentes de associação de estudantes são homens"), discutir a questão da ambição política, profissional ou académica ("há mais homens na mobilidade internacional"), conciliar a vida profissional e familiar ("deve começar no pré-escolar"), ainda promover a igualdade de género em questões de cidadania ou analisar questões éticas emergentes na ciência e na técnica através da lente do género.
Um outro desafio é o de questionar o duplo padrão moral na observação do comportamento de crianças e jovens e problematizar as questões relacionadas com a cidadania íntima. Sofia Bergano exemplificou com o prevenir a violência no namoro, não legitimar o assédio e o "piropo", refletir sobre a (in)justiça do duplo moral na interação entre pares, prevenir o bullying homofóbico ou questionar (para evitar) a internalização de uma ideologia dual de interpretação das relações entre homens e mulheres ("os homens são todos iguais"; "isso é mesmo coisa de menina").
Os comentadores de Sofia Bergano foram Joaquim Salgueiro (UGT-Bragança), Rui Maia (Universidade Fernando Pessoa) e Luísa Deimãos (SPZN). Joaquim Salgueiro pôs o foco do seu comentário na questão das assimetrias entre escolas do nosso país, referindo as faltas de condições físicas e de materiais pedagógicos, do amianto, ou da falta de professores e de não docentes. Rui Maia realçou o facto de a escola ser muito valiosa, muito promotora, "mas não ser suficientemente mobilizadora", lembrando que a escola tem muitos limites e que é um exemplo de reprodução de desigualdades. Por sua vez, Luísa Deimãos pôs mais uma vez o dedo na ferida: que há muita desigualdade no interior e que "somos tratados de forma desigual".
O encerramento da Conferência de Bragança esteve a cargo de Maria da Graça Patrício (Presidente da UGT - Bragança), Orlando Pires (Vice-Presidente da Câmara Municipal de Mirandela) e Lucinda Manuela Dâmaso (Presidente da UGT). Maria da Graça Patrício recordou que a educação e formação para um desenvolvimento sem desigualdades está presente na ação da União e Orlando Pires mencionou que a sua ligação ao SPZN e à FNE muito o tem ajudado a ultrapassar barreiras e desafios no seu trabalho no município de Mirandela, também como Vereador da Educação.
Finalmente, a Presidente da UGT referiu mais alguns aspetos de desigualdades no campo da Educação e formação (como as turmas excessivas ou os percursos tão diferentes entre casa e escola por parte dos alunos), não deixando de referir as múltiplas injustiças dentro da própria classe de professores. A seu ver, o combate pelas desigualdades tem que passar pela escola, mas também obrigatoriamente pelas famílias. "Depois da reflexão que aqui fizemos hoje temos ainda mais responsabilidades na sociedade", concluiu.Categorias
Destaques