David Justino. “O tempo de carreira dos docentes deve ser respeitado”

14-6-2018

David Justino. “O tempo de carreira dos docentes deve ser respeitado”
David Justino elogia sindicatos e cobra ao Governo a contagem integral do tempo de carreira congelado aos professores. PSD quer mudar estatuto da carreira docente. E admite mudar proposta sobre natalidade.
 

O Governo está a fazer contra-informação para prejudicar os professores, defende o vice-presidente do PSD, em entrevista à Renascença e ao Público. A reposição do tempo de carreira custa “só” 400 milhões, não 600.

O Governo está num bloqueio negocial com os sindicatos - e com os partidos que o apoiam - relativamente a como contabilizar os anos de congelamento da carreira docente. Qual é a posição do PSD? Defende um novo modelo de progressão na carreira e avaliação? Entende que se deve contar todo o tempo de carreira que ficou congelado?

Há um ponto prévio: um dos princípios que nós defendemos é que não se deve prometer o que não se pode dar - ou, pelo menos, que não se tenha a certeza de que se possa dar. E aquilo que o actual Governo fez foi criar expectativas ao longo de vários meses, junto dos sindicatos e da classe dos professores, de que era possível dar. Portanto, nunca foi peremptório nem explícito nesta intransigência agora assumida… O problema agora é saber como essas progressões devem contar. E, nesse sentido, estar a limitar o tempo de carreira é algo que não tem sentido, é mutilar algo que... é real. Quer dizer, as pessoas estiveram dez anos sem progredir e querem que esse tempo possa ser contabilizado em futuras progressões. Os sindicatos aí tomaram uma posição relativamente equilibrada, dizendo: "O que nós podemos discutir é quanto tempo é que vamos demorar a repor". Isso é que é a parte negociável. Agora, estar a negociar o tempo de carreira não tem muito sentido.

Se o PSD estivesse no Governo qual seria a alternativa? Havia dinheiro, os tais 600 milhões?

O PSD teria começado por propor alterações no Estatuto da Carreira Docente.

Que tipo de alterações?

Em primeiro lugar o problema da profissionalização. Em segundo lugar o problema da avaliação de desempenho. E em terceiro lugar os próprios escalões de progressão, tentando adaptá-los - sem levar tudo pela mesma bitola - a outras carreiras. Mas eu entendo que a profissão de docente tem características que fazem dela um corpo que merece atenção especial devido ao desgaste que tem no que diz respeito a muitos anos a lidar com miúdos, com não sei quantas turmas, etc...

Está consciente de que, tal como quando foi ministro da Educação, se quisesse ir rever agora o Estatuto da Carreira Docente teria os professores na rua...

Não sei, tudo depende de saber como é que se quer mudar. Se se quer mudar relativamente aos que já têm direitos adquiridos ou se se quer mudar para os que vão entrar agora na carreira. Tem é alguma coisa que ser feito.

O PSD admite essa possibilidade?

Olhe, lembro-me que em 2003, numa conversa que tive com os representantes da Fenprof, eu lhe ter dito estar disponível para abrir um processo de discussão sobre a carreira docente. E havia alguns aspectos que, já em 2003, mereciam uma alteração. Da parte da Fenprof não houve abertura, mas eu estava determinado a mexer. Só não tive tempo... A questão é a concepção da carreira: quem é que acede a professor, como é que progride, como é avaliado - para que não se invoque sempre que os professores não são avaliados, o que não é verdade; ou que as progressões são automáticas - que não são. Quer dizer, há aqui uma espécie de contra-informação relativamente ao que é a carreira de professor que não me parece ser um bom indício para o que se quer que seja um processo de negociação de boa-fé.

Imaginemos que o PSD chega ao Governo. Vai contar todo o tempo de carreira dos professores?

Esse direito é básico. Ou seja, o Estado tem que ser uma entidade de boa-fé, não pode estar a prometer uma coisa e depois fazer outra.

Onde é que encontrará estes 600 milhões por ano?

Para já tenho dúvidas que sejam 600 milhões de euros. As minhas contas é que é um pouco menos.

Quanto?

Estamos a falar de educadores, professores de primeiro ciclo, de ensino secundário, temos que analisar [as contas] na diversidade. Aquilo que eu fiz foi ao que se chama "contas nas costas do envelope", mas dá um valor nos 400 milhões de euros, talvez um pouco mais. Agora, o problema não está nisso, está no como repor gradualmente essa progressão. Esse é que é o problema. Se for a partir de Janeiro é uma coisa, mas se for um processo gradual... eu lembro que a FNE propunha até 2023. Essa é a parte negociável, não é o tempo. O tempo é um adquirido, portanto deve ser respeitado.

Se o Governo não chegar a acordo com os sindicatos, o PSD admite juntar-se ao CDS e à esquerda, como no caso dos concursos, e obrigar o Governo a aceitar uma solução?

Tudo depende de saber qual é o contexto e de saber quais são as propostas. Agora, entendo que é mau que seja o Parlamento a intervir num domínio que é da estrita responsabilidade do Governo. É função do Governo gerir este tipo de problemas, não é do Parlamento.

O PSD abstém-se, neste caso?

Não sei, depende do contexto em que for feito e das decisões na Comissão Política Nacional (CPN) e no grupo parlamentar. Não vou antecipar, porque não temos aquela concepção soviética, digamos, de que o grupo parlamentar deve ser uma correia de transmissão da comissão política... tem que haver concertação, mas...

(...)

O PSD mostra-se favorável à contagem de tempo de carreira dos docentes, que nas suas contas custará 400 milhões. E avançou com políticas para a natalidade que valem, nas contas do PSD, 500 milhões ao ano (cerca de 1000 milhões nas contas do Expresso). O país já pode gastar?

O Expresso tem um pressuposto: fez uma análise sobre qual é a projecção a 18 anos do custo. Bom, mas isto pressupõe que não há mobilidade nos escalões: que vamos ter a mesma taxa de pobreza infantil, o mesmo tipo de famílias. E nós também temos a expectativa de que os próprios proveitos da Segurança Social possam ser diferentes, se houver mais crescimento... O que fizemos foi uma projecção a seis anos... Agora: quanto é que custa uma auto-estrada?

Mas quanto é que custa a proposta do PSD?

Entre 400 e 500 milhões de euros. Mas é um investimento. Que depois se vai reflectir em receitas da Segurança Social...

Mas isso era o cálculo do PS antes de chegar ao Governo: os ganhos do crescimento que o PSD sempre contestava...

Sim, por isso o problema é político: é saber onde é que se deve gastar prioritariamente. E para nós, mais importante do que gastar em coisas em que este Governo está a gastar, é gastar em questões estruturantes para o país. E o caso da infância é um deles.

 

Notícia completa em: http://rr.sapo.pt/noticia/115760/david-justino-o-tempo-de-carreira-dos-docentes-deve-ser-respeitado