RESOLUÇÃO: Programa do atual Governo na área da Educação insuficiente para garantir uma Educação de qualidade

12-11-2019

RESOLUÇÃO: Programa do atual Governo na área da Educação insuficiente para garantir uma Educação de qualidade
FEDERAÇÃO NACIONAL DA EDUCAÇÃO

Secretariado Nacional

RESOLUÇÃO

Programa do atual Governo na área da Educação insuficiente para garantir uma Educação de qualidade

Considerando que os profissionais de educação vivem e trabalham hoje num quadro complexo de enormes exigências e responsabilidades e ao mesmo tempo de enorme fragilidade;

Considerando que a ação profissional docente tem vindo a sofrer efeitos de vária ordem e dimensão que hoje se acumulam e que conduzem múltiplas investigações a debruçarem-se sobre o estado atual da condição docente e têm chamado repetidas vezes a atenção para situações muito concretas, a saber: envelhecimento muito generalizado dos docentes; diminuição drástica de jovens candidatos para os cursos de formação inicial; precariedade contratual inicial; falta de estabilidade profissional; falta de atratividade profissional e débil reconhecimento social da profissão; notório desgaste profissional e estado de exaustão emocional de uma parte muito grande dos docentes; aumento drástico da carga burocrática no desempenho profissional; congelamento do tempo de serviço e ausência de estímulos ao desenvolvimento na carreira; falta de planeamento prospetivo diante do envelhecimento dos profissionais; ou seja, sentimentos profundos de “falta de”, de perda, de abandono social e político, de desconsideração;

Considerando que se vive um tempo de emergência, no que aos educadores e professores diz respeito;

Considerando a sistemática desatenção que é dada à situação dos Trabalhadores Não Docentes neste Programa do Governo, que se soma à falta de consideração e de adequado e específico enquadramento normativo sistematicamente denunciados pela FNE, para além do muito insuficiente sistema de formação contínua, aliado a um envelhecimento muito acentuado, que se torna ainda mais grave num quadro de generalizada falta de trabalhadores não docentes nas nossas escolas;

Considerando, ainda, que o momento requer que se ataquem os problemas estruturais, não com remendos e sugestões avulsas, mas antes que se proponha um reordenamento profundo da situação, desde o modelo de acesso aos cursos de formação inicial, ao modelo de cursos desta mesma formação inicial, desde o modelo de indução profissional e de acesso à profissão, até ao acesso à carreira e ao desenvolvimento na mesma, desde o estatuto remuneratório até às condições de trabalho, redignificando, devolvendo o prestígio a uma profissão que é capital para o desenvolvimento humano de cada pessoa e para a reconstrução cultural de um povo, para além da revisão adequada da Portaria de rácios e o estabelecimento das carreiras específicas para os Trabalhadores Não Docentes.

O Secretariado Nacional da FNE, reunido no dia 12 de novembro de 2019, no Novotel, em Lisboa fez uma análise ao Programa do Governo, na área da educação que merecem as seguintes considerações:

Apreciação global
Numa apreciação global, o Programa do Governo, no que à educação diz respeito, é pobre em ideias e em ambição, para o necessário desenvolvimento do nosso sistema educativo e do progresso do país, assim como para a urgente necessidade de valorizar e dignificar, quer a profissão docente, da sua carreira e das suas condições de trabalho, quer dos trabalhadores não docentes.

De qualquer modo, a FNE reafirma a sua inteira disponibilidade para os processos negociais que forem necessários para definirem as soluções que forem adequadas ao desenvolvimento de um sistema educativo de qualidade.

Valorização da profissão docente
O Secretariado Nacional determinou que a FNE continuará a bater-se na presente legislatura por medidas tendentes a valorizar a profissão docente e que passam por:
- alterar o modelo de acesso à formação inicial de professores;
- atrair os jovens para a profissão de professor;
- promover o enquadramento profissional dos professores mais jovens, de forma que todos os novos docentes possam ter garantido um período de indução de dois anos letivos;
- promover o direito pleno à formação contínua, aos professores contratados;
- alterar a lógica da formação contínua de professores que se revela meramente administrativa, exigindo-se que seja de qualidade e do interesse dos docentes, salvaguardadas as condições para a sua frequência;
- combater a precariedade.

Condições de aposentação dos professores e rejuvenescimento do corpo docente
A FNE exige que o Governo reconheça a profissão docente como uma profissão de grande desgaste físico e psíquico, e que é fortemente marcada pela precariedade durante os primeiros 15 a 20 anos de exercício da docência, sujeita a mudanças constantes na organização escolar e curricular exigindo adaptações permanentes a essas mesmas mudanças e submetida a uma enorme pressão, quer dentro, quer fora da escola.

Estabilidade do corpo docente e combate à precariedade
O Secretariado Nacional da FNE reafirma a urgência de medidas tendentes a minimizar o grau de precariedade e instabilidade do corpo docente.

Combate à violência e à indisciplina em contexto escolar
O Secretariado Nacional considera indispensável a determinação de medidas concretas de combate à violência e à indisciplina em contexto escolar, estabelecendo políticas de prevenção mas também de forte punição de agressores, e de proteção às vítimas.

Combater as desigualdades à entrada e à saída da escola
O Governo propõe um conjunto de medidas que aplaudimos e que visam a promoção do sucesso escolar e combate ao abandono escolar, assim como, a criação de “um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades”. São medidas fundamentais para combater as desigualdades sociais e tornar a escola como um instrumento eficiente de promoção do sucesso escolar e promotora de igualdade de oportunidades. Rejeitaremos, sim, se este objetivo for confundido com uma mera medida administrativa que resulte numa redução do número de professores. Mais do que preocupações com lógicas e razões economicistas, o que importa é que o Governo dote as escolas dos recursos necessários para um ensino mais individualizado para responder de forma eficiente ao ensino diferenciado. O Secretariado Nacional da FNE estará atento ao desenvolvimento desta medida e a forma como irá responder às necessidades sentidas pelas escolas e pelos professores para que o desiderato do sucesso escolar e desigualdades no acesso a uma educação e ensino de qualidade se efetiva.

Atividades de enriquecimento curricular
A FNE defende que deve ser garantido que as artes visuais, a música, o teatro e a Educação Física/Desporto, com estas designações ou outras afins, devem ser abordados no espaço curricular do 1º ciclo, com professores habilitados profissionalmente. Desta forma o horário curricular dos alunos do 1º ciclo do ensino básico na escola seria alargado para as 30 horas semanais permitindo deste modo uma melhor articulação do tempo curricular e pedagógico com o conceito de escola a tempo inteiro.
As AEC, enquanto espaço de enquadramento dos alunos em atividades não disciplinares devem pertencer à responsabilidade de gestão do agrupamento/escola, tanto ao nível dos conteúdos, atividades, como do recrutamento e respetiva gestão dos recursos indispensáveis, sempre que os docentes da escola não assegurem essas atividades no quadro do serviço que lhes for distribuído.

Docentes do ensino superior
O Secretariado Nacional da FNE insiste na urgente necessidade de se criarem medidas que melhorem globalmente o ingresso e o desenvolvimento das carreiras do ensino superior, bem como medidas que permitam um rejuvenescimento do corpo docente, eliminando a precariedade dos vínculos laborais.
A FNE defende que o ensino superior é uma área vital para o desenvolvimento dos territórios de baixa densidade, devendo-se desenvolver ofertas formativas nos diferentes territórios que possam contribuir para a fixação da população.

Trabalhadores não docentes
A FNE defende que os trabalhadores não docentes devem ter carreiras específicas associando-lhes os respetivos conteúdos funcionais, perfis de competência e referenciais de formação, bem como as respetivas condições de trabalho.
Devem ser determinados os mapas de pessoal das escolas não agrupadas e dos agrupamentos de escolas, integrando os técnicos superiores em quantidade e variedade específica de acordo com as respetivas necessidades, nomeadamente, entre outros: Juristas, Psicólogos, Enfermeiros, Assistentes Sociais e Educadores Sociais. e definidos os mecanismos específicos de mobilidade interna no âmbito das escolas.
Deve ser definido o número de trabalhadores a afetar às diferentes carreiras e categorias, de acordo com as características dos agrupamentos de escolas e das escolas não agrupadas.
Deve ser aprovado anualmente o mapa de pessoal não docente de cada agrupamento de escolas e de cada escola que não pertença a agrupamento, com indicação dos postos de trabalho necessários, em função do cargo ou da carreira e categoria.
Devem ser elaborados os referenciais de formação, quer inicial quer contínua dos TND, em estreita articulação com os conteúdos funcionais a serem definidos, sem prejuízo de prosseguir as ações consideradas essenciais para a melhoria da qualidade das funções exercidas.
Deve ser respeitada a aplicação da legislação da avaliação de desempenho e respeito pelos prazos e tramitação por parte dos dirigentes das escolas e respetivos órgãos.

Investir na formação contínua dos não docentes
Investir na formação dos trabalhadores não docentes, a qual deve passar a integrar questões relativas ao stress, ao assédio e à violência no trabalho, higiene e segurança no trabalho, gestão de conflitos, trabalho em equipa, toxicodependência, minorias étnicas e necessidades especiais, e ser concretizada em horário laboral.

Ensino Português no Estrangeiro

O Programa do atual governo, no respeitante aos objetivos apresentados tendo em vista a valorização e divulgação da Língua Portuguesa, não evidencia qualquer modificação positiva ou progresso em comparação com o enunciado dos programas dos governos anteriores.

Utilizando expressões de caráter vago e sem nomear ações de caráter definido, torna claro que o ensino da Língua Portuguesa no estrangeiro, seja ele dirigido aos lusodescendentes ou aos estudantes oriundos dos países de acolhimento, continuará a não ser uma prioridade governamental nos próximos quatro anos.
Revela-se difícil de entender o significado da expressão "Renovar e modernizar a rede do EPE", visto a mesma ter atualmente apenas cerca de 50% da dimensão que se verificava em 2010.

Tendo além disso presente que o número de alunos do ensino paralelo  no presente ano letivo é de menos mil do que em 2018/2019, ao que se vem juntar a perda de cerca  de 10 mil alunos no ensino integrado, na transição do primeiro para o segundo ciclo, seria de esperar a apresentação de estratégias orientadas para a resolução deste problema, que porém não integram o documento em apreço.

A atual  rede de cursos deveria ser alargada e melhorada, mas a "modernização" citada nada esclarece quanto a melhores condições de ensino no futuro.

A menção a melhorias no uso das tecnologias digitais e de educação à distância poderia ser vista como positiva, porém, dado que até ao momento atual se tem assistido à tentativa de instrumentalizar a mesma como elemento de substituição das aulas presenciais para alunos lusodescendentes e da nova emigração, sendo o ensino à distância unicamente disponibilizado  aos dois grupos citados, mediante pagamento, é lícito temer que seja este o procedimento a ser aplicado no futuro.

Quanto à mencionada integração curricular do Português nos sistemas de ensino locais, uma intenção que sempre constou durante todos os anos da tutela do Ministério da Educação, sem nunca se ter concretizado, continua a não ser uma realidade, havendo até a assinalar alguma redução nos poucos cursos existentes nesta vertente.
Porém, neste caso, é de fazer notar que o Português como disciplina curricular só poderá ser lecionada como língua estrangeira, o que leva a concluir que, mais uma vez, o ensino do Português como língua materna e identitária para os filhos dos trabalhadores portugueses no estrangeiro, conforme preconizado na Constituição da República Portuguesa,  continuará a ser considerado como matéria inferior.

Alem disso, a aparentemente desejada integração curricular contraria o objetivo seguinte, identificado como "maiores níveis de certificação das competências adquiridas", visto que uma disciplina de caráter curricular, neste caso o Português, não necessita de qualquer tipo de certificação.

Divulgar e promover internacionalmente a língua e cultura portuguesas é um objetivo louvável em todos os pontos, porém, tal nunca deveria ser feito à custa da perda de direitos dos alunos portugueses no estrangeiro, que continuam a ter de pagar a inconstitucional propina e os manuais para aprendizagem da sua língua e cultura de origem, enquanto que aos alunos estrangeiros, com especial relevo para o caso da França e da Espanha, o governo proporciona e continuará a proporcionar, como se pode deduzir do programa atual, ensino gratuito do Português vertente língua estrangeira.

Mais uma vez, e dada prioridade ao ensino do Português língua estrangeira para alunos estrangeiros, a expensas do Governo, prejudicando as crianças e jovens portugueses no estrangeiro, e ignorando deliberadamente os direitos constitucionais que lhes assistem.

O programa do Governo em apreço ignora totalmente os docentes do EPE, não constando qualquer menção sobre as possibilidades de carreira dos mesmos no estrangeiro e as suas condições de trabalho, o mesmo sucedendo com questões relacionadas com formação.

Em resumo, estamos perante um programa que nada traz de novo relativamente aos alunos e ao ensino no EPE e que não reconhece sequer a existência dos respetivos professores.


Lisboa, 12 de novembro de 2019
(Resolução aprovada na reunião do Secretariado Nacional da FNE, de 12 de novembro de 2019)