Intervenção do Secretário - Geral da FNE na Manifestação Nacional de 19 de maio de 2018

19-5-2018

Intervenção do Secretário - Geral da FNE na Manifestação Nacional de 19 de maio de 2018

Colegas

Ainda bem que viemos em tão grande número.

Enganaram-se todos quantos apostaram que não era possível voltar a concentrar aqui um tão grande número de professores.

Enganaram-se todos aqueles que se convenceram de que os professores estavam domesticados, adormecidos, conformados.

Enganaram-se todos quantos quiseram fazer convencer a sociedade de que bastava fazer de conta que havia mais diálogo para que os professores se acomodassem e não incomodassem.

Não, os professores não se deixam domesticar.

Os professores não são embalados por historietas mal contadas,

E os professores não adormecem e não se conformam, porque não desistem de lutar pela profissão.


Porque os professores sabem que contra a sua força não há possibilidade de impor políticas de desvalorização, nem da profissão, nem dos seus profissionais, nem do trabalho que todos os dias realizam com os seus alunos.

E é por isso que estamos todos aqui, com esta dimensão.

Porque temos consciência de que os governos esquecem a sua responsabilidade de ter consideração pelos profissionais que tutelam.

Porque não chega dizer que a escola é a sua paixão ou que defenderão intransigentemente os educadores e professores.

Porque é preciso lembrar aos governos que não podem contornar nem evitar a necessidade de os professores e educadores portugueses serem prestigiados, reconhecidos e valorizados.

Porque sabemos que, ao serem valorizados, estar-se-á a promover uma escola melhor.

Uma escola melhor depende de todos os que aqui estamos. Nós somos a escola. Nós construímos a escola.

Todos os governos sabem e a sociedade também sabe que é connosco, com cada um de nós em concreto, que depende a qualidade da escola e da educação.

Só há educação de qualidade com professores e educadores respeitados e valorizados.

Mas a valorização não se faz apenas por intenções ou por palavras de circunstância.

A valorização dos educadores e professores inclui o respeito por todos e cada um de nós; inclui a determinação de condições de trabalho nas escolas, inclui limites ao tempo de trabalho que nos é exigido, inclui o direito a uma aposentação vivida com dignidade, inclui estabilidade e segurança na profissão.

Só assim teremos a garantia de uma escola de qualidade.

Então, se é assim, se há uma consciência coletiva de que é assim que deve ser, porque é que foi necessário chegar a este ponto? Porque é que foi necessário que os educadores e professores portugueses tivessem de vir aqui hoje, em tão grande número, com esta dimensão e com esta força?

Porque, apesar das palavras e das boas intenções anunciadas, na prática, continuamos a não ver concretizados aspetos essenciais em que se tem de traduzir esse reconhecimento.

O que está em causa e o que nos mobiliza aqui é que a nossa profissão e o que a sociedade espera de nós tem de ter condições de exercício profissional que têm sido desconsideradas.

É que nós queremos trabalhar numa escola de qualidade, numa escola que tem condições para acolher e trabalhar com todos e cada um dos seus alunos.

Ora, uma escola que não tem profissionais com tempo para os seus alunos não é uma escola de qualidade.

Uma escola que esgota os seus professores sem lhes reconhecer condições de desenvolvimento profissional, retira-lhes o tempo para se dedicarem aos seus alunos, que é a essência da sua actividade profissional.

Não queremos, não aceitamos uma escola em que aos seus professores não se respeita o tempo para trabalharem em condições com os seus alunos, porque é para este objetivo essencial que eles têm de estar na escola.

Portanto, é tempo de dizer Basta!

Basta! a todas as tentativas de esmagar o que é de direito, Basta! a todas as tentativas de evitar cumprir o que é de justiça.

O que é de direito e o que é de justiça não se discute, não se mede se é mais ou se é menos. O que é de direito e o que é de justiça, respeita-se. E é esse respeito que nós vimos aqui exigir.

Porque esse respeito tem faltado quando o governo não considera que é legítimo, que é justo e incontornável que todo o tempo de serviço que esteve congelado seja considerado para o desenvolvimento da carreira dos professores.

Porque esta é uma questão de justiça.

E o governo não pode ficar à espera do que sobra para admitir cumprir esse direito dos professores.

E o governo não pode dizer só que foi sensível à iniquidade que era a não consideração para os professores do tempo de serviço que esteve congelado.

Esta não é uma questão de sensibilidade; esta é uma questão de justiça.

O governo não pode andar a medir para saber até onde é que pode ir, talvez à espera de saber quanto é que lhe vão custar ainda os desvarios de alguns banqueiros.

Porque para estes não há limites, para estes tem de haver sempre folga orçamental.

Só para pagar o que é devido aos professores é que não há margem ou espaço seja para o que for.

Esta é uma falta de respeito que não pode deixar de ser denunciada, com toda a força, porque representa a desconsideração de todo o trabalho que os professores realizaram em 9 anos, 4 meses e 2 dias.

Digamos bem alto para que se ouça e lembre o que é nosso: 9  4  2.

Nesse tempo, os alunos tiveram aulas, nesse tempo, os alunos foram avaliados, nesse tempo, os alunos foram certificados, nesse tempo, os alunos foram acompanhados nas suas dificuldades, para as superarem.

E o que é que o governo quer fazer?

Quer inventar uma fórmula que transforma os 9 anos 4 meses e 2 dias em 2 anos 10 meses e 18 dias. Isto não é uma questão de ilusionismo, isto não é uma questão do faz de conta. Isto seria inaceitável, Uma tal proposta revela falta de respeito pelas pessoas.

Nós não estamos disponíveis para aceitar um poucochinho daquilo a que temos direito.

O que aqui vimos dizer é que o governo tem de arranjar espaço para acomodar a recuperação integral de todo o tempo de serviço congelado.

Os professores já fizeram a sua parte nesta matéria; os educadores e professores portugueses já prescindiram de recuperar o dinheiro que perderam por terem visto a sua carreira congelada, por terem visto reduzidos os seus vencimentos, por terem perdido subsídios de férias e subsídios de Natal, por terem pago sobretaxas de IRS, tudo no valor de muitas centenas de milhões de euros; os educadores e professores portugueses já admitiram que esta legítima recuperação do tempo de serviço seja só concluída no final da próxima legislatura. Querem mais ainda de cedência por parte dos professores?

E o governo fica com o quê? Com a sensibilidade mais apurada pela justiça que é devida aos professores?

É muito pouco.

Ao governo cabe cumprir a sua parte e que é iniciar a contagem da recuperação do tempo de serviço congelado, nos termos que vierem a ser negociados.

Esta questão da recuperação do tempo de serviço é um sinal extremamente revelante da forma como o governo quer tratar os seus educadores e professores.

Mas o respeito pelos educadores e professores portugueses também se terá de manifestar através de medidas que permitam uma aposentação em tempo justo e que possa ser vivida com dignidade, e valorizando todo o empenho profissional que marca a vida de cada professor. O desgaste profissional docente é amplamente conhecido e reconhecido, pelo que é inultrapassável, pelo respeito que o trabalho dos docentes deve merecer, o direito a que o acesso à aposentação seja definido através de regras que reconheçam esse desgaste.

As nossas escolas precisam que os seus profissionais com mais experiência possam enquadrar e acompanhar professores mais novos. E para termos professores mais novos precisamos que os mais novos queiram ser professores.

Para isto, precisamos de uma profissão atrativa, de uma profissão que não seja só dos de mais idade, que não seja da instabilidade e da precariedade, que não seja da falta de tempo para a família; é preciso mudar estes atributos que marcam a profissão no nosso país.

Precisamos que os mais novos queiram ser professores; os nossos alunos têm direito a ter professores mais novos ao lado de professores com mais experiência. Uma escola de qualidade precisa de uma profissão docente rejuvenescida.

Torna-se, assim, essencial, garantir a definição de regras que promovam esse rejuvenescimento e essa consideração do especial desgaste profissional docente.

O respeito pelos educadores e professores também tem de se manifestar por horários de trabalho que permitam o desenvolvimento de um bom trabalho com os alunos e por causa dos alunos; mas para isso é preciso que se determinem limites para o tempo de trabalho dos professores, com a clara determinação do conteúdo de cada uma das suas componentes.

Os professores são hoje conhecidos pela dimensão exagerada do tempo de trabalho que têm de desenvolver para garantirem que as escolas funcionam.

Esta é a consequência da falta de investimento do Estado em políticas que façam com que as escolas tenham os profissionais que são imprescindíveis para que elas funcionem e que os seus alunos tenham boas condições de aprendizagem.

Esta é a consequência da insuficiência da aposta em profissionais para todas as dimensões da escola.

O resultado é a atribuição aos professores de todas as tarefas, de todo o tipo, obrigando-os a prescindirem do tempo que devia ser para as famílias para estarem ainda a tratar das questões da escola.

Não pode haver só limites para o tempo de trabalho letivo; também tem de haver limites para o tempo de trabalho não letivo; este não pode continuar a ser o poço sem fundo onde as escolas vão buscar o tempo imprescindível para que possam funcionar plenamente.

A determinação de limites para o tempo de trabalho profissional tem de garantir que cada um e cada uma possa viver a sua vida pessoal e familiar em plenitude. 

O respeito pelos educadores e professores também tem de se manifestar por regras claras nos concursos, sem atropelos e mudanças de critérios, feitas às escondidas, sem conhecimento prévio dos interessados e sem qualquer preocupação do envolvimento destes nos processos de decisão naquilo que lhes diz respeito.

Em cada etapa dos concursos, somos surpreendidos com uma mudança, com uma alteração, não anunciadas, não justificadas.

Os concursos, que deveriam ser um fator de segurança e de confiança para os professores, estão transformados num processo de total instabilidade e insegurança.

Assim, não pode ser. Aqui também, exige-se respeito.

 

É por tudo isto que as próximas reuniões com o Ministro da Educação, no dia 4 de junho, têm de constituir uma oportunidade para se definirem temas e prazos para uma verdadeira negociação, uma negociação que tem de ser exemplar em termos de âmbito e de inteira participação e reconhecimento de ambas as partes. Não podemos repetir experiências do passado que fizeram destes encontros meros episódios vazios de consequências.

 

Colegas,

A nossa presença aqui é o sinal claro de que não permitimos que nos desrespeitem.

É o sinal claro de que o nosso empenho numa escola de qualidade resulta da expressão pública do reconhecimento dos profissionais da educação pelo governo.

É o sinal de que não desistimos.

É o sinal de que não nos calamos.

É o sinal de que não nos conformamos.

 

Vivam os educadores e professores portugueses.